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Mulher de fato

José Luis dos Santos

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Flor, paixão, trapo, doçura e fiapo. Tudo isso é o pouco que restaria de uma mulher de fato, que, ainda nos dias de hoje, lutava contra machismos e não queria encontrar sequer um eufemismo para suavizar suas queixas, lamúrias sem fim. Acostumara-se a viver sem pele. Mas, felizmente, tudo mudou radicalmente.

De tanto negar suas dores e falso amor, Paula se viu dentro de si. Lugar onde ela passou tão pouco tempo ao longo dos seus 44 anos. Enxergava-se, todos os dias, no enorme espelho do seu closet, mas pouco se encarregou de avaliar seu interior. Achava que estava nos seu papel de mulher sofredora, Amélia do mundo moderno, teste de chicote de um exame final de produção.

No dia 02 de janeiro desse ano, recentemente, ela deu seu grito de liberdade. Era uma sexta-feira de madrugada, logo após ter visto, mais uma vez entre as centenas que vivera, a mesma cena: seu rosto marcado pela falta de amor do companheiro de tantos anos. O final de ano não fora grandes coisas, como sua vida não tinha sido grandes coisas durante 16 anos ao lado de Tomaz. Para ela, Tomaz tornara-se um trapo humano, que a iludia a cada dia, entregando fiapos de sua existência, enquanto Paula entregara amor durante muitos anos e que, aos poucos, como num passe de mágica, sumira repentinamente. Ninguém é de ferro ou merece viver para sofrer. Ninguém nasceu para apanhar, já bastam as chicotadas que o destino, silenciosamente, nos dá a cada dia. Ninguém existe para ser acorrentado a um desencanto e amordaçado por um falso sorriso à sociedade que nos cerca, diariamente.

Ela esperou, naquela noite, Tomaz sair sozinho, como sempre fazia repetidamente, arrumou suas coisas e deixou apenas um pequeno bilhete, com um toque poético já que é uma excelente escritora: “Cansei de errar ao te aceitar, cansei de tanto tentar te ensinar a viver! Vou sem destino, aonde você não vai me encontrar, vou recolocar minha pele no lugar, amargar a diferença de um novo tempo e celebrar as graças de poder reviver e reencontrar-me comigo mesma, muito longe da sua inigualável posição machista, que esbarra constantemente nos seus dias de falsidade e imoralidade radiante! Apesar de tudo, seja feliz! Não quero seu mal, mas quero minha vida de volta!”

Pegou seu carro e tomou rumo incerto. Hoje vive bem, longe de aparências e sofrimentos. A cada dia ela encontra fragmentos perdidos da sua história, recoloca cada caco no seu devido lugar, de onde não deveria ter saído ou caído…

Usa seus profundos sentimentos como cola para que não caiam de novo e para que, nunca mais, alguém os arranque ou os atire longe dela mesma.

Paula está muito bem no seu lugar. Só ela pode estar onde se encontrou. Está dentro de si mesma, revivendo o tempo perdido e muito feliz.

Renascer

José Luis dos Santos

A vida me fez um estranho e eu estranho o modo de ser da vida. Não me condena pelos meus erros, mas aponta o dedo em riste, a todo minuto, me perguntando o que fiz e que tipo de arrojo despejei nas minhas atitudes por ai.

Vivo pelo bem, crucificando o mal. Entendo as estrelas e apago o sol, nublo meu céu particular e faço questão de desenhar a lua repetidamente. Não quero uma lua somente, quero várias, pra que as noites sejam imensas…

Quando tomo atitudes normais, algo diferente se passa ao meu redor, tropeço nos meus instintos de gente bem intencionada, mergulho num mar de palavras e carrego comigo diversos corretivos, não tenho medo do erro, não tenho medo de errar, tenho medo de não acontecer.

Sento-me comigo todos os dias, por pelo menos uma hora, à noite. Conversamos sobre o dia, sobre os passos, os tropeços, sobre a vida e sobre a morte. Traçamos planos para o dia seguinte, não adianta muito porque concordamos em ser rebeldes, então tudo se desfaz, mas é bom encontrar meu eu. Faz-me mais anormal ainda e eu gosto disso.

Luto contra o vento e coloco placa de “reservado” no meu assento, nunca o uso porque estou por ai, cortando estradas e andando lentamente, procurando entender o infinito, nunca consegui porque esbarro sempre na minha finitude. Ontem mesmo eu procurei entender o dia de hoje, o que tinha acontecido. Fiz uma leitura perfeita do futuro e coloquei reticencias no passado…

Volta e meia olho a data errada no calendário e dou-me de cara com Cronos, batendo à minha porta. Convido-o a entrar por educação, mas não gosto quando ele faz questão de sentar-se porque, quando faz isso, o tempo não passa.

Estou pensando seriamente em renascer, de mim mesmo. Recomeçar. Viver tudo novamente, faria tudo da mesma forma. Porém descobri que não tem franquias que ofereçam um estudo ou algo parecido, sendo assim estou buscando assessoria que me faça chegar à estaca zero. Que derrube preconceitos e tormentos, que me coloque diante de um espelho e amarrote mais minhas ideias.

Isso mesmo, vou renascer, fazer um natal em mim. Vou pedir-me isso ainda hoje. Não sei que resposta darei a mim mesmo, só sei que eu não vou gostar nada disso.

Bafômetro

José Luis dos Santos

Eu tenho um amigo que tinha um bafo assustador. É isso mesmo que você está pensando, quando o sujeito falava “oi” parecia que estávamos dentro do caminhão que recolhe lixo, uma carniça. Com ele só dava mesmo para termos um monólogo, senão batia uma tonteira e a gente acabava se esborrachando no chão. Era algo anestésico, entende?

Todos os outros amigos em comum já haviam percebido isso, claro. O problema era como falar ao carnicento que ele tinha um bafo com cheiro de carne perdida.

Um dia, sem mais nem menos, começamos a falar do bafo dele, entre amigos, sem a presença do tal sujeito. Os comparativos eram hilários e seria realmente cômica a conversa se não fosse quase trágica. De cheiro de meia usada há uma semana, cheiro de sapo morto no canto da rua a estourador de bafômetro saiu… Uma coisa boa tinha que sair de uma conversa tão fútil e decidimos que iríamos dar a notícia ao nosso amigo: “fulano, você tem um bafo de onça! Carnicento e assombrador!” Mais ou menos assim.

Alguém tinha que fazer isso e, para não se tornar uma situação constrangedora, somente um de nós daria a notícia. Ninguém se prontificou ou queria dar a notícia. A questão virou caso de sorteio. Em rifas e loterias eu nunca ganhei nada, mas uma bucha de canhão dessas eu sempre ganho. Agendei uma visita ao baforento, preparei o espírito, derramei meio litro de perfume pra disfarçar a carniça que estava por vir e lá fui eu cumprir essa dura tarefa. Parei no portão de casa, refleti e, querendo fugir da ação, acessei o Facebook e postei uma imagem falando de bafo horroroso. Marquei o sujeito e outros pra não dar tão na cara. Aguardei alguns minutos e ele postou um comentário: “tem algumas pessoas que têm um bafo de matar mesmo…” Pronto! Ele não sabia que tinha bafo de onça. Pior, ninguém falou a ele que ele tinha um bafo anestesiante…

Peguei o carro e fui até o local do encontro. Lá estava ele com seu bafo guardado. O “oi” veio como um tiro de canhão. Ainda por cima, riu demais da imagem que eu havia mandado. Quanto mais ria, mais meu estômago revirava. Aproveitei que ele estava rindo e disparei: “eu mandei para você mesmo, sua anta, porque ninguém tem coragem de te contar que você tem um bafo horrível… Eu fui escolhido para te dar a notícia. Veja se há um problema de estômago, vá ao médico e trate isso pelo amor de Deus!” A liberdade que tinha com ele me deu credencial para agir assim. Ele ficou estático, não disse nada (ainda bem, pelo menos o ar ficou melhor), limitou-se a dizer, um tempinho depois, que escovava os dentes constantemente. Ele não percebia que o mal cheiro poderia ter outra origem e ninguém tinha tido coragem de falar nada com ele.

O ser humano é assim: por vezes ninguém tem coragem de melhorar as pessoas e só criticam. Não custa tentar ajudar, não custa tentar ser e fazer os outros melhores. As pessoas, de repente, acham que está tudo bem enquanto isso não procede, precisamos nós todos, de ajuda para limpar o interior e melhorar nossa convivência, até mesmo conosco. Somente sendo sincero é que se consegue ser melhor.

Sobre meu amigo, cuidou-se, tem até namorada agora. Eu, se fosse mulher e namorada dele, teria medo de dar um beijo, vai que…

Tá com dó? Leva pra você. Precisava ter levado antes da melhora, o bafo iria de brinde.

Gente Pessimista

José Luis dos Santos

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Arlindo estava sentado num banco, na praça em frente ao Cemitério Municipal, quando ouviu uma voz estridente e escandalosa: “Ué, o que houve? Quem morreu?” Era Angélica, a rainha do pessimismo local. “Como assim, quem morreu, Angélica?” Ela logo começou a soluçar: “Não, não me diga, não pode ser… Eu gostava tanto dela… Ontem mesmo a vi na rua, me pareceu tão bem de saúde!” E tome lágrimas sem fim.
“Angélica, me deixe falar…” Arlindo não conseguiu falar uma palavra sequer porque o pessimismo de Angélica o impediu.

Ela traçou toda história de amizade vivida até aquele momento entre a mãe de Arlindo, Dona Isaura e sua família, de forma melodramática, demonstrando toda sua imaginação infértil para essas situações.

Angélica adora um velório. Fica de olho nos panfletos pregados nas portas dos velórios para ver se o defunto é conhecido e, mesmo se não for, vai lá chorar um pouquinho. Ela diz que é uma forma de caridade porque, às vezes, o defunto não tem ninguém disposto a chorar por ele. Não raramente recebe abraços de pêsames, ao que responde sempre com lágrimas nos olhos: “Obrigada, Deus sabe o que faz…” e continua sua lamúria sobre o defunto conhecido ou não. Como já é uma figura conhecida na cidade, ninguém se importa, tanto que ficou conhecida como Angélica do Velório. Ela adora esse apelido. Vai ser pessimista pra lá.

Num dado momento, o pessimismo de Angélica extrapolou os muros da ignorância: ela fez uma espécie de consórcio de um caixão porque tinha certeza que morreria na virada do ano 2000. Enquanto todos comemoravam a virada do ano, ela, deitada no seu novo presente, arrumava os cravos espalhados sobre seu corpo, confiante numa morte com cheiro de sala de velório. Só saiu de lá no outro dia, quando alguns ressacados tomaram o maior susto ao acordar e deparar com ela dormindo naquela urna, no meio da sala. Passado o susto e tendo a ressaca curada sem nenhum remédio, estes a fizeram se desfazer daquele ambiente funesto, ao som de xingamentos de “louca” ou até mesmo outros impublicáveis…

Ela sempre puxava a fila dos féretros e carregava coroa de flores dadas aos falecidos como forma de homenagem. Gostava de mostrar que estava presente naquela hora tão ruim para qualquer um, não para ela. Angélica do Velório é o símbolo de uma geração pessimista, com falta de coragem de combater a escuridão das coisas ruins.

Arlindo ainda continuava interpelando sua amiga, tentando explicar sobre sua mãe, mas o choro compulsivo e quase verdadeiro de Angélica o repudiava. De repente ela se voltou para a porta principal do Cemitério e viu Dona Isaura descendo as escadas vagarosamente… Pálida, Angélica do Velório ajoelhou-se e gritou: “Milagre, sua mãe ressuscitou! Obrigada, Senhor!” Arlindo cobriu o rosto de vergonha e desespero…

Dona Isaura, incrédula, virou-se pro filho e indagou: “Você me matou antes da hora?” “Mãe eu posso explicar, não é nada do que a senhora está pensando…” Com muita raiva nos olhos, Dona Isaura conduz o filho pelo braço resmungando e Arlindo só teve tempo de falar: “Tá vendo Angélica o que faz seu pessimismo?” Ela, pessimista, não pensa duas vezes: “Eu sei sim, sua mãe vai te matar… Não se esqueça de me convidar pro velório”. Pôs as mãos no rosto e começou tudo de novo: “Coitado, um rapaz tão novo, morrer dessa forma…”

É de chorar.

O alto da montanha

José Luis dos Santos

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Sono espantado, tudo arrumado, vida que segue, é hora de tomar o primeiro ônibus. O alento de Diogo era ver o ponto cheio de outras pessoas, afinal ele não era o único que passava pelo suplício de acordar naquela hora anormal, diariamente.

Já dentro da condução, não pôde deixar de ver a manchete de um popular jornal, aberto no colo de uma moça, sentada ao seu lado: “Filho mata o pai por vingança”. A frase causara espanto na colega do lado, que lia e balançava a cabeça negativamente, mas não nele. Ele já teve vontade de fazer isso.

Virou-se para a janela, olhando o mundo lá fora, recordando-se da sua infância doída. Fome ele nunca passou, mas passou pelo sofrimento. Ele nunca entendeu a predileção do pai pelos outros irmãos mais velhos, sempre menosprezando os gestos, as poesias infantis, as brincadeiras, o físico do pequeno Diogo em cujas atitudes sua mãe não conseguia sucesso nas intervenções.

Veio-lhe à memória um dia em que receberam uma importante visita na sua casa humilde, no interior de Minas Gerais. Era um tio, que nunca os visitara antes, político renomado, um dos poucos que se destacaram na sua família de recursos escassos.

O pai fez com que todos tomassem banho, vestissem a melhor roupa e se comportassem muito mais que em outras ocasiões. Ao apresentar os filhos para o irmão, seu pai foi falando as virtudes de cada um. Acendeu em Diogo uma ponta de esperança, seria aquele dia o único em que receberia um elogio do pai? O pai foi descrevendo cada um dos quatro irmãos, enaltecendo a todos. Ao chegar sua vez, Diogo aprumou o corpo e abriu um largo sorriso, esperando ouvir um sincero elogio daquele homem insensível. O pai sintetizou toda sua ignorância numa única frase: “Esse aqui não vai dar em nada na vida, porque não vale nada!”

Até mesmo o tio assustou-se com a frase fria do irmão, mas apenas piorou a situação: “Que pena, os outros são tão talentosos, como você disse agora a pouco”.

Diogo curvou-se vagarosamente, abaixou a cabeça e uma lágrima silenciosa descansou em sua perninha de criança. Os irmãos davam risos baixos, tampando a boca com as mãos, audíveis demais aos ouvidos de Diogo. Naquele dia prometeu matar o próprio pai.

Diogo desceu no ponto denominado Via Mantiqueira, aguardou o segundo ônibus para chegar às 7h no seu trabalho e começar seu dia como estagiário num escritório de advocacia. Assentou-se e, qual não foi sua surpresa, quando outra moça sentou-se ao seu lado e lia a mesma reportagem. A sombra do seu pai parecia perseguir seus passos naquele dia. Quanto mais tentava esquecer o velho, mais a vida lhe apontava um dedo em riste, parecendo dizer: seu pai.

A vontade de mata-lo já havia passado desde quanto saíra de casa, aos 13 anos, seu pai faleceu e ele não foi ao velório, há dois anos. O pai perdeu a chance de ter o filho no colo para vê-lo no colo do mundo (isso é um perigo). Boas lembranças não ficaram, mas agora, adulto e advogado, ele queria mesmo era fazer justiça criando seus filhos com muito carinho e elogios sinceros.

A vida é assim, há situações em que é melhor olhar de baixo o topo da montanha e imaginar o quanto será bonito o visual quando conseguirmos chegar lá em cima, algo justo em pagamento pelo nosso esforço. Justiça se faz com atitudes e Diogo está certo de que, assim, é muito melhor, mesmo que tenha tido somente um pai biológico e não um pai de verdade.

Bota fogo

José Luis dos Santos

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Ao criar o homem (leia-se aqui também a mulher), Deus concedeu-lhe um dom chamado “livre arbítrio”. Com esse dom em mãos, o homem viu-se numa posição de total liberdade e discernimento sobre suas atitudes e escolhas. A partir de então, Deus os mandou em missão, continuou sendo Deus e o homem, “totalmente humano”, passou a ter opções imensas, intensas e vastas sobre toda e qualquer atitude. Deus não quis manipular o homem, ao contrário, quis ser amado por ele ou não, quis vê-lo feliz e deu-lhe a opção de provar dessa felicidade infiltrada em cada passo.

Histórias do Gênesis à parte, de posse de tamanho presente, dado por um Deus infinito, o homem, mesmo sabendo que era um humano finito, quis brincar, procurando ser um deus, desconhecendo o perigo da pouca luz que traz consigo sua finitude.

O homem começou a querer mais e a ser menos, a disputar egoísmos, fazer guerras para ter o poder em mãos, a ser um pequeno e mísero deus, concebido e criado em seu pequeno mundo de infidelidades. Por outro lado, alguns homens, entenderam seu papel humano e o desempenharam muito bem. Não quiseram ser atores coadjuvantes, mas principais na peça da vida. Permitiram-se serem dirigidos por um verdadeiro e único Deus e, esse diretor, não dava ordens nos ensaios ou apresentações, apenas observava, num silêncio ensurdecedor. Passava segurança e isso bastou.

Um dia, Deus chamou os dois modelos humanos para regressarem ao ponto de origem celeste. O primeiro, deus de araque, fez de conta que não ouvia e continuou seu processo infeliz de querer mais e mais, sendo menos e menos. Até que, por opção, retornou às origens por dor e não por amor. Mesmo assim, num instante final, aos 48 minutos do segundo tempo, ele disse que amava o Pai. Isso comoveu o Deus infinito.

O segundo, temente e de vida constante e feliz, ouviu, aceitou o convite e brindou com os Anjos poucos instantes depois.

Deus chamou-os para uma conversa conjunta. O humano que se achou um deus por uma vida curta e pesada, entendeu que o processo de vida na terra nada é além da continuidade da vida no céu e que tudo que fizera não fez o menor sentido para ele, para os outros e muito menos para o Deus que ele tentara imitar.

O segundo humano trouxe uma carga leve e um sorriso largo ao rosto Divino, ouviu o elogio de “filho bom e fiel”. Essa foi a herança que precisava e as palavras que almejara durante sua vida tranquila e cheia de êxitos.

Enquanto um tentou ser deus o outro amou a Deus, enquanto um nada conquistou o outro conquistou tudo o que quis porque não precisou se preocupar com coisas por demais pesadas aos seres finitos.

Os três, hoje vivem juntos novamente, os finitos admirando a capacidade Divina do perdão e da compreensão, mas um deles ainda sente-se mal por não ter entendido que a guerra interior faz tão mal quanto a exterior, que perdera tempo, tempo demais para uma vida tão passageira. Triste por ter se perdido no ciclo virtuoso céu-terra-céu.

Depois disso, o que posso dizer é: o que não te serve enquanto “gente” (nem estou falando do ser cristão), joga fora, bem distante e bota fogo. Vai ser melhor para você, demais para os outros e principalmente para Deus.

Quer um fósforo?

 

Pedaços

José Luis dos Santos

Boenca

Caminhando por uma estrada de chão vi uma perninha de boneca jogada fora. Poderia passar despercebida a qualquer um, mas não a mim naquele momento. Ela tornou-se companheira na busca pela queima diária de calorias, caminhando comigo, na minha mente.

Comecei a pensar sobre quantas coisas jogamos fora e quantas coisas guardamos sem necessidade. Sou o tipo de pessoa que detesta a frase “guarda isso que um dia serve”. Esse dia costuma nunca chegar. Quando precisar, a gente da um jeito, afinal a casa da gente não é depósito de entulhos. A interior também não.

As pessoas entram e saem da nossa vida levando e deixando sinais, sacramentos, pedaços. Trazem um pouco de si e levam algo de nós. Engana-se quem acha que nada ensina: mesmo que seja para que os outros não sigam nosso modo de ser, ensinamos sim. A busca pelo ensino positivo deve nortear-nos porque é melhor ser referência de alguma coisa do que um ponto cego no centro da humanidade. É melhor ser 1% de alguma coisa do que 100% de nada.

Alguns levam mais do que trazem, outros trazem tanto que chegamos a ter vergonha de oferecer-lhes tão pouco. É ainda mais vergonhoso quando nos trazem muita lenha para queimar na nossa lareira pessoal e nós sequer colocamos fogo para sentir o calor do presente recebido. Verdadeiros suga-sugas somos nós quando agimos assim.

Percebo diariamente que os pedaços que levam de mim não me fazem falta. Bom sinal, uma certeza de que posso ser mais a cada vez que penso que me torno menor. Não tenho tanta paciência para ficar ouvindo, ouvindo, mas tenho paciência necessária para colaborar com poucos exemplos positivos e debulhar letras e palavras cadenciadas. Por vezes acredito que esses pedaços que distribuo são jogados no chão, como a perninha daquela boneca.

Ser ou não ser mais também me preocupa quando o assunto são pedaços que ficam ou vão. O melhor pedaço foi ou ficou? Se o melhor for preciso repô-lo imediatamente, com leituras, vivência coerente, justiça, humanidade à flor da pele, esperteza contra os lobos disfarçados de cordeiros. Se o pior pedaço foi embora, dele estarei livre, mas corro o risco de ter feito alguém pior com as minhas fraquezas e limitações. Aqui se torna urgente uma visita interior àquele que me livrou do mal e agora não sabe o que fazer com ele. Não dá nem para “guardar” porque esse pedaço nunca servirá para nada.

Filosofias à parte, a perninha da boneca ficou por lá e dentro de mim também… Sequer a peguei, sequer a chutei. Ignorei-a totalmente, não serviu para nada, senão para fazer-me pensar. Espero que eu não seja perninha de boneca jogada fora na vida de tanta gente com quem convivo diariamente.

Falando nisso, você tem algum pedaço bacana seu que possa me emprestar? Prometo que devolvo se por acaso nós dois percebermos que fora emprestado um pedaço errado. Há um grande risco porque da mesma fonte de vida humana que bebo você também se deleita.

De corpo e alma

José Luis dos Santos

palco

Argumento: Lino é um cristão católico comprometido, cheio de dúvidas, sente que precisa colocar-se no próprio lugar – um homem tentando entender um cristão ressuscitado. Nesse ambiente interior, Lino vive um conflito e uma luta corporal entre seu corpo e sua alma. Ele namora Alice, moça sem fé, mas com argumentos convincentes a ouvidos tementes. O conflito de Lino torna-se maior quando ouve Alice e percebe que está muito longe de entender-se como um ser ressuscitado.

Cenário: Apenas um grande espelho tamanho 1,5m x 2m no centro do palco.

Cena 01
(Luzes tom pastel – canhão de luz no centro do palco) Lino entra com uma Bíblia nas mãos, coçando lentamente a cabeça, para diante do espelho e grita:
– Que tipo de cristão eu sou? Cheio de amarras, carregando fardos, distante do corpo, somente amando a alma? Que tipo de ressuscitado eu sou? Vestes brancas, alvas como a neve, coração vivendo crespúsculos e instabilidades frequentes…
Lino volta-se para o público e sussurra (com semblante de medo):
– Que tipo de sal nós somos? Insosso, sem sabor, que não serve para nada senão para ser jogado aos porcos. Nem os porcos haverão de querer…
Lino muda o semblante para surpresa e grita:
– Ninguém vai me desafiar? Ninguém vai me escutar?
Lino novamente sussurra:
– Ninguém vai me amar? Alguém vai ressuscitar?
Lino se joga de joelhos e vai caindo aos poucos até ficar totalmente deitado de bruços, apoiando a testa com os braços. Luz pastel é apagada e fica somente o canhão de luz aceso.

Cena 02 – Ato final
Alice entra à procura de algo, com semblante de desespero, roda o palco e para diante de Lino, segura seus cabelos, levanta sua cabeça, volta seu rosto para o lado, olha nos olhos de Lino e diz em tom seguro, ordenando:
– Levante-se, ressuscite do pó e retorna à luz! (Luzes azuis são acesas em tom ameno sobre o palco) Seja mais claridade, saia de baixo da cômoda e coloque-se sobre a mesa, vela acesa, que fumega e nada clareia… (Alice sente piedade, solta os cabelos de Lino, Lino começa a sentar-se e fica de cabeça baixa. Alice levanta carinhosamente a cabeça de Lino e olha nos seus olhos novamente. Alice aconselha:
– Melhor que sacrifícios e holocaustos, joelhos esfolados e duras penas que impomos a nós mesmos é ser, somente ser. Não deixe sua ressurreição ficar longe da sua razão… (Alice aponta sua cabeça para Lino) Se não tenho fé, tenho concepção, se não tenho norte, sei apontar o sul. Ressuscita sua vida, na alma de quem partiu, parta sua esperança e reparta suas lágrimas derramadas no chão. Não é preciso somente uma Bíblia em mãos para ser. É preciso as próprias mãos para fazer, simplesmente agir, fazer… (Alice aponta o espelho para Lino) Ressuscite e olhe-se no espelho, reflita seus raios hoje mornos, sedentos por um calor sem fim. Seja, simplesmente, seja… Suba aos céus, com os pés bem seguros no chão.
(Apagam-se as luzes azuis e em seguida o canhão de luz)

Caí nessa!

José Luis dos Santos

CF

“Depressa, depressa, a casa vai cair! Rápido, anda verme… anda… lerdeza sub humana… vai… vai…”

As palavras soavam em português, mas carregadas do amargo destino de ter sempre que fugir da Polícia Russa. Nada em mãos porque tudo me foi tirado, principalmente minha dignidade e minhas verdades. Como acreditar numa história tão absurda como a minha? Eu não culpo ninguém por não acreditar no que conto, mas me culpo por ter acredito noutra estória que me contaram.

“Anda sua vadia… pula a janela, vamos, vamos…”

Eu estava no Brasil, numa festa com vários amigos, amigos de verdade e que nunca mais os vi nesses longos cinco anos. Aproximou-se de mim um sujeito bem vestido, bonito, com papo suave e uma proposta irresistível: trabalhar numa grande multinacional européia. Mas como receber um convite dessa natureza, sem que ao menos aquela pessoa me conhecesse, com apenas alguns instantes de conversa e num local pouco apropriado para assuntos executivos, já que ele se autodenominava assim?

“Corre cambada… entrem no carro, vamos, eles estão chegando, inúteis…”

Esperto que foi, me passou a “lábia” e acreditei que tudo fosse verdade: casa, comida, roupa lavada, excelente salário, experiência de vida na Europa, enfim, grande possibilidade de sair da vida simples que sempre me norteou. Saí simples da vida simples e caí numa vida miserável.

“Quietas… calem a boca… não percebem a situação?”

Esclarecida que sou, eu sempre soube que mais de 90% de pessoas traficadas são mulheres, normalmente que vivem em estado de pobreza absoluta ou muito vulneráveis. Eu sempre soube que há tráfico de pessoas para vendas de órgãos humanos, de crianças para venda noutros países, também das histórias de pessoas simples que trabalham como escravos após promessas como a que recebi… Claro que eu também sabia do tráfico para exploração sexual. Caí nessa.

“Estão chegando, estão chegando muito perto, se fecharem o cerco eu mato vocês, eu mato vocês, quem cacoetou? Heim? Quem de vocês, suas vagabundas?”

Não tenho mais nenhuma esperança. Nenhuma. Vou morrer escrava em terras distantes, sem notícias da minha família e sem saber do sofrimento deles com minha ausência forçada. Meus dias não têm outro caminho senão com falta de crença em dias melhores e cheios de fome, colchão no chão do porão com baratas e ratos como companheiros. Usada por homens que nunca e vi e nunca verei, obrigada a sorrir enquanto o momento seria de lágrimas. Meu perdão não conhecerá destinatários e minha fé a entendo como falecida.

“A casa caiu! Perderam! Perderam! Venham para cá e se afastem das garotas!” Entendi os Policiais ordenando aos nossos carrascos.

Não acredito! Estamos livres? Mas eu não acredito em liberdade!

“Vocês nos acompanharão, depois serão liberadas sob escolta e voltarão aos seus países!” Eu estou livre! Livre! Será que posso acreditar nisso tudo novamente? Isso tudo merece um abraço conjunto nas minhas colegas de sofrimento!

Minha fé ressurgiu das cinzas e pude ter certeza que há um Deus que, mais uma vez, deu crédito a mim que já me julgava inútil aos Seus olhos, que não julgava mais merecer crédito de ninguém, quem dirá Dele…

Não à toa meu nome é Madalena.

Fevereiro é um perigo

José Luis dos Santos

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A história se repete ano após ano: o Natal começa em outubro, as festividades de ano novo terminam em 5 de janeiro e o carnaval começa imediatamente aí. Com todo respeito aos que gostam, para mim não faria a menor falta se deixasse de existir. Nada de moralismo, nada de puritanismo, nada de religiosidade envolvida. O problema é que a vida não anda antes do carnaval, isso é fato. Vamos agendar algo, alguém sempre intervém dizendo “mas e o carnaval?” Dá vontade de mandar o carnaval pra sua origem. Melhor não falar qual.

Como se não bastasse a inércia que ele atrai, nesse ano ele resolveu avacalhar de acordo, caiu em março… Algo do tipo no meio do caminho. Isso mesmo, no meio do caminho. A minha preocupação vai além do calendário com manchas vermelhas, eu, na verdade, vivo as outras cores e nem gosto tanto das machas vermelhas nos calendários. A minha preocupação, nesse ano é outra: março é um perigo milenar, mas em 2014 será pior.

Janeiro começou atrasado, veio fevereiro com a maior preguiça do mundo, louco para que março apareça. Aí a farra será geral! Quebra madeira! Até passar a ressaca da galera já estaremos em abril. Em abril teremos a quaresma, época de reencontrarmos gente que há décadas não aparece na Igreja. A maioria bem intencionada, outros tantos tentando comprar ticket de entrada pro céu, de preferência um kit que tenha também um “abadá” branco. Vou lembrar novamente aqui: não há roleta no céu, cuide de abrir portas bem abertas aqui para você e outros passarem livremente por elas, sem medo algum.

A Semana Santa terá uma multidão enorme até na sexta-feira. Depois de carregarem o esquife, tchau… Feriadão na segunda-feira, dia 21 de abril. Se uma grande parte do povo gosto mesmo é do velório, com esse feriado na segunda é que o tchau vai ser looonngo!

Passado o feriadaço, virá maio todo bonitão, parecendo dizer “eu começo sempre bem”, mais um feriado logo de cara.

Junho, esqueçam. Bola prá tudo que é lado, gritos de gol, mil elogios à mãe do juiz, vergonha com nossas telecomunicações falhando, trânsito engarrafando, o mundo todo olhando para nosso país e todos deixando o trabalho mais cedo para assistirmos aos jogos. Amor total ao ócio, ninguém vai trabalhar.

Julho, das duas uma: comemoração e cachaçada com a conquista do hexa campeonato mundial ou um chororô danado, mil e uma explicações para a derrota, milhões de pessoas secando as outras seleções, etc. Mês imprevisível.

Agosto será hora de trabalhar! Setembro virá com muitas flores e nenhum feriado e, novamente, outubro trazendo aquele velho gordo, chato e vermelho, enchendo a paciência da gente! Fim de ano novamente.

Parece estranho falar em março, abril, maio, junho, etc na edição de fevereiro: é vontade demais que passe logo tudo isso. Não aguentei esperar as próximas edições…

Venha e vá Sr. Março, não demore porque dezembro “tá de olho no senhor!”

Fica a dúvida: vamos ter tempo para sermos nós mesmos nessa confusão toda?

Jesus tome conta!

José Luis dos Santos

pes fogo fosforo

Estou cansado de ver a vida com os mesmos olhos. Estou aliviado por ter comprado óculos Divinos. Encostado nas dúvidas que me ocultam, emprestado ao dicionário humano que me socorre a cada grito.

Estou farto de festas, fogos, perus assados e gritos, de ocorrências, manifestações e sangue espalhado. Estou certo das más intenções, dos vândalos e do dinheiro desperdiçado.

Estou perdido em meios às corrupções, vendo bons políticos sendo apenas botões no paletó dos grandes e maus homens vestidos de terno. A intenção é manter o paletó bem fechado, de boa aparência, mas há sempre o inconveniente toque para que ele não permaneça corretamente dentro da sua honesta e simples casa de pano.

Estou dentro de um projeto sobre mim mesmo, buscando melhorias e grandes transformações. Estou vendo a chave da minha casa interior manchada pelo tempo, desgastada pelo uso e tornando o acesso a mim mesmo, difícil e incerto.

Estou certo de tudo que me é incerto, estou incerto de algumas coisas que me conduzem erroneamente pelos vales sombrios, depois de ter visto o sol reluzir. Estou eu mesmo a me sentir diferente em meio a tantos outros que poucos se diferem de mim.

Estou pulando no ângulo esquerdo para apanhar um pênalti bem batido, a cada jogo. Estou à procura de um zagueiro que cometa menos faltas dentro da área. Estou fazendo pose para sair bem na foto, por isso peço ao cobrador de penalidades que não o faça de forma serena.

Estou dirigindo com prudência porque a pressa já me ultrapassou, nessas alturas do campeonato asfaltado. Estou à procura de placas pela estrada, mas vi duas até hoje, uma dizendo “siga” e outra dizendo “pare”.

Estou acendendo o fogão à lenha, a cada manhã, para aquecer a chaleira, já que a água precisa estar muito quente para resfriar minhas atitudes de homem do bem. Estou pondo fogo em madeira, pensando no fogo abrasador que me consome.

Estou por aqui a teclar palavras sanas e influentes, de gente que conduz tanta gente, com muito medo de ser eu, mas, ao mesmo tempo, querendo dar exemplo de sinceridade. Estou sendo aquilo que sempre quis, ser eu para melhorar a mim e aos outros.

Estou sozinho na batalha de carregar toras e pedras que caem da montanha, de escalá-la para facilitar minha missão de chegar ao seu topo, ameaçado pelos incidentes e certo do grito decente: Jesus tome conta!

Adivinha quem chegou?

José Luis dos Santos

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Eu já não aguentava mais esperar sua chegada. Cada partida sua, a cada final de ano, sempre me traz uma espécie de lacuna que ninguém consegue preencher durante todo ano vindouro.

Chegou com sua barba elegante, grisalha, nem tão comprida quanto sempre foi. Vestia uma camisa estampada, com forte tom vermelho, trazendo um largo sorriso que mostrava toda sua capacidade de fazer uma escovação bem feita. Vinha trazendo pesadas malas, ao longe me parecia cambaleante, já que o avistei lá no início da rua da minha casa, quando dobrou a esquina, vindo à minha direção.

Não pude correr para dar-lhe um abraço, causaria ciúmes noutro sujeito que estava de partida, no mesmo momento. Por vezes eu acho que eles causam uma espécie de concorrência entre eles mesmos, algo do tipo, primavera versus outono ou inverno versus verão. Coisa besta porque somente eles se entendem.

Já tive aversão por ele, mas hoje, mais maduro, entendo sua importância tanto na vida dos outros quanto na macroeconomia mundial. Sim, quem diria que ele, amante das calorias gastronômicas, sem nenhum corpo escultural possa ser tão convincente aos olhos do mundo inteiro. Convence pelo dinheiro que tem capacidade de gerar e pela presença alegre que tem capacidade até mesmo de curar.

Já gostei dos seus adornos e ainda acho brega os piscas, mas ele insiste em manter tudo isso há centenas de anos. Quem sabe algum dia alguém tenha coragem de falar-lhe que ele tem um tremendo mal gosto, em algumas situações. Algo do tipo: “Pronto! Falei!” Eu mesmo já quis ser o porta-voz dessa notícia, mas falta-me coragem quando sinto sua presença aconchegante.

Não entendo como ele não se importa com algumas pessoas que nada recebem em troca dos carinhos que lhe manifestam. Parece alheio às crianças que pedem um presente, aos adultos que pedem paz e aos adolescentes que pedem bugigangas. De presença tão alucinante e tão incoerente, ao mesmo tempo.

Quanto mais perto chegava do portão da minha casa, mais eu sentia o peso dos meus cabelos igualmente grisalhos. Como o tempo passa rápido. Ou não? Não. O tempo é o mesmo. A imensa carga de informação da era moderna faz com que tenhamos pouco tempo para nós mesmos, para nossas famílias, para nossas meditações, importantes para nos auto avaliarmos e nos faz condenados a engolir cada tic tac do dia. Uns tic com gosto amargo, outros tac com gosto de morango.

Assim ele chegou. Abraço envolvente, sorriso contagiante, vermelho ofuscante e deixando um cheiro de panetone no ar.
Era hora de partilhar minha alegria:
“Beeeeeem! Vem aqui… Novembro está partindo e Dezembro chegou!” A resposta não poderia ser outra: “Ué, já?”

Madrugada

José Luis dos Santos

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Na madrugada do dia primeiro desse mês, Júnior me ligou querendo contar alguma coisa. Não entendi nada, até mesmo porque ele me pareceu ter tomado todas as cervejas nalgum bar e, para não desperdiçar nada, deve ter comido as tampinhas como tira-gosto.

Aquilo não eram horas de ligar para alguém, mas para bêbado o relógio é um mero acessório… Cuidadosamente falei para ele não dirigir, voltar para casa e tal, essas coisas que todo mundo fala e o bebum nunca ouve, a gente fica parecido com aeromoça dando aquelas explicações sobre segurança a bordo do avião: ninguém sequer olha para elas.

No dia seguinte, indo para o trabalho, passo por uma movimentada rua gastronômica e vejo alguém deitado no chão. Não quis acreditar, mas era o Júnior. Todo machucado, com um bafo horroroso de “cachaça perdida” e roupas rasgadas. Olhou-me com cara de quem estava sendo incomodado e custou a dizer uma frase: “Fala aí gente boa!” Falei sim, mas falei pouco, porque não era hora de palestra sobre teor alcoólico. Levei o amarrotado Júnior para sua casa.

Acho que a situação mais triste para os pais seja essa cena: o filho ser entregue naquela situação. Ninguém cria os filhos para o mal, por pior que tenha sido a educação entregue a eles, todos os pais criam os filhos pensando que serão gente de bem, afinal de contas o caminho do mal é traçado mediante as escolhas após o nascimento. Nascer já é um ato do bem, nascemos bons e para o bem.

Não tinha outro jeito, entreguei-o à sua mãe que tratou logo de leva-lo para tomar um banho. Pedi licença, disse que estava atrasado para o trabalho e fui me retirando, colocando-me à disposição. Sua mãe pediu-me, longe dele, que eu desse mais conselhos a ele (mais?!?) porque eu era o único que ainda não desistira dele e da sua amizade. Prometi fazê-lo.

À noite retornei à casa de Júnior e, evidentemente, ele estava com cara de ressaca misturada com vergonha. As palavras foram poucas porque vi que ele não estava muito à vontade e me confidenciou sua vontade de acabar com a própria vida. Uma afirmativa que fiz a ele foi muito importante, naquele momento – “Matar, roubar e suicidar-se: não tem nenhum motivo que justifique essas atitudes.” O pensativo Júnior abaixou a cabeça e confidenciou, para minha surpresa, que não tinha interesse pela vida, porque a vida perdera o interesse por ele. É aquela situação, por vezes pensamos que os outros desistiram da gente, mas no fundo fomos nós que desistimos de nós mesmos, então não resta aos outros mais nada senão também gerar descrédito, uma vez que isso está refletido nos nossos sentimentos, atitudes e olhares.

Palavras de incentivo foram e voltaram como um jogo de ping pong… Voltei para casa com elas no colo.

Na madrugada, novamente, toca o telefone, dessa vez a mãe do Júnior me contando que ele resolvera mesmo acabar com a vida…
A herança que o Júnior deixou para mim foi de um sujeito bacana, porém sem fibra. Para os outros, deixou a herança de um coitado. Para sua mãe e seu pai deixou a herança de lágrimas sem fim e o desgosto por não saber onde erraram, se é que um dia erraram.

A madrugada é cada vez mais cruel à medida que duelamos com nossos sentimentos e não os externamos de maneira positiva. Acabar com a vida é apenas uma forma de matar os outros que ficam, aos poucos, a cada dia, a cada madrugada, colocando pontos finais onde ainda havia muito espaço para novos parágrafos, na história de tanta gente.

O além

José Luis dos Santos

Além

Ao sair pelo grande portão do Cemitério Municipal de Palma Grande, Giba se deparou com uma nova realidade: viver sem sua família. Sim, viver sozinho. Giba perdeu todos da família, de uma só vez, menos o pai, num horrível acidente automobilístico. O pai havia morrido, vinte dias antes.

A sorte parecia afastar-se dele. Tanto mais ele remava, mais a sorte ficava para trás, muito embora fosse uma pessoa convicta dos seus objetivos e um sujeito extremamente otimista.

Abraços, condolências, tapinhas nas costas… Tudo isso ajudava, mas sequer passava perto de ser um consolo, uma ajuda propriamente dita, afinal de contas ninguém tem o que falar nesse momento, nem precisa falar algo, a presença já é uma forma de expressão e confirmação da amizade verdadeira.

Giba quis voltar pra casa sozinho, dirigindo seu carro, sentindo falta da esposa, das duas crianças, da mãe e do único irmão que tinha. A falta do pai ele já vinha remediando, mas veio à tona sua presença forte e viril, sua voz em tom militar e o odor da sua honestidade impecável. Talvez ele pudesse falar algumas palavras que fizessem Giba voltar a pôr os pés no chão, caso ainda estivesse nesse “andar”.

Abrindo o portão da casa (missão que era da filha mais velha), sentiu sua mãozinha de oito anos deslizando aquele conjunto leve. Guardando o carro, recordou as orientações, por vezes exageradas, que passava à esposa todas as vezes que guardava o veículo. Abriu a porta e podia até mesmo ver, se fosse possível isso, sua mãe, aguardando-o abrir a porta, apoiada no braço do seu irmão, para sentir-se mais segura. Enfim, a vida ainda tinha gosto de passado, mesmo tendo o carimbo da morte.
A pior das lembranças ainda estava por vir. Entrou na sala e viu um carrinho de brinquedo (do caçula), da cor do carro da sua finada esposa, de pernas pro ar, exatamente na posição que ficara após o acidente. Giba se conteve, ele homem de muitas palavras e poucas lágrimas, não chorou, mas “rezou” aquela cena durante muito tempo.

Homem da Teologia, quis entender porque um Deus tão Pai quisera vê-lo, um filho tão terno, naquela situação. Rapidamente recolocou os pés no chão da razão e compreendera aquilo que falava a tantas outras pessoas, nas suas aulas, como professor de Ensino Religioso: “Deus não se alegra com a morte, com o sangue, com as desgraças da vida. Deus se contenta com a graça derramada abundantemente sobre nós. Deus precisa gastar a água da graça, derramando-a sobre nós porque cada um tem um corpo no formato de copo, quanto mais cheio, mais Deus derrama água, até inundarmo-nos Nele. Como Pai, Ele quer o melhor. Tanto quer o melhor que nos deu o livre arbítrio, para fazermos o que quisermos. Ele não compra nosso veículo, mas nos dá condições para isso. Ele não acelera nosso veículo, mas nos dá consciência plena do que implicará essa ou outra atitude. Todo Pai quer abraçar um corpo e não sepultá-lo. Dessa forma, todo Pai é puro amor e todo amor pode ser um resumo lapidado da palavra ‘Pai’. Cabe-nos respeitar o Pai e fazermos das nossas atitudes beijos no seu rosto”.

Olhar longe, tristeza rondando e lágrimas que teimavam ficar no seu interior… Essa é a luta humana de filhos que insistem amar a finitude dos seus dias. Com Giba não poderia ser diferente. Será?

Onde estou? Quem sou eu?

José Luis dos Santos

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De vez em quando tenho uma vontade decente de sumir mundo afora e, sequer, olhar para trás. Algo do tipo: “Onde estou? Quem sou eu?”

Viver sem noção deve ser bom até certo ponto, da mesma forma que voar por meios próprios deve ser bom até certo ponto: até ao ponto de, olhando para baixo, lembrarmo-nos que somos humanos. Os pássaros se safam, eles já são, mas nós recorremos a sustentáculos, frios, tecnológicos e vazios.

Lá de cima não vejo a humanidade como um formigueiro, tão pouco me vejo menos formiga que o restante dos humanos. Se, de repente, não sei a que vim, por certo também não sei para onde irei. Posso não ser tudo o que meu parto quisera, mas sou tudo aquilo que a vida me fez.

Homens e formigueiros combinam, a partir do momento que fazem trilhas para buscar ideais comuns, carregar pesadas folhas nos ombros e descansar jogando pedras uns para os outros, elevando o muro da consciência conjunta, criando uma força única, capaz de transformar o inimaginável.

Tenho o dom de corrigir estradas estreitas, alargando meus sonhos de acordar constantemente. Ainda não consegui sequer me encontrar nas curvas imperfeitas que construo, dia-a-dia, mas consigo usar meu controle de estabilidade para me manter firme no rumo a que me proponho. Estradas são indícios de formigas, trabalhadeiras, costureiras, amorosas, caminhantes e conscientes. Curvas são precipícios necessários para que tudo não seja tão comum quanto mereça ou pareça.

Já pensei em ficar sempre por aqui, embora os momentos de arrependimento, que surgem segundos depois, porque o combustível que me move rapidamente me lembra que tudo que daqui levamos é tudo que por aqui deixamos. Sendo assim é melhor ser semente ausente mas, de toda forma, crente que o melhor da morte, devidamente plantado, pode se tornar uma frondosa azaleia devidamente lilás.

Por essas e outras é muito bom deixar de ser a gente mesmo por alguns momentos e sumir no mundo. Quando não somos nós mesmos, temos a obrigação lógica de entender melhor os outros. Na verdade, deixar nosso mundo por alguns instantes tem sabor de compreensão, mesmo que esse sabor seja amargo, porque, ao tentarmos entender os outros podemos nos deparar com os hematomas ocasionados pelos “não” que nós mesmos atiramos.

Somente entendemos a dor alheia quando assumimos o viver do outro e pecamos pelos excessos de querer ali ficar até que nossa culpa tenha se apagado.

De repente seja insano, de repente seja minha razão. Mas estou pensando seriamente em deixar-me conduzir pela sã loucura, gerada, criada e amarrotada pela leveza inconveniente do comodismo, só para passar para o lado alheio e, finalmente, enxergar-me no espelho que eu mesmo fiz, como rude artesão que sou, buscando a mim mesmo, refletido nos olhos dos outros.

Algo me diz que lá estarei.

Só mais um pouco de mim

José Luis dos Santos

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Era uma vez um sonho. Era uma vez um acerto, que conheceu erros. Era uma vez um desejo, que tropeçou em faltas. Era uma vez um dia, que passou seus minutos esbarrando em graus Celsius. Era uma vez uma noite, nublada, cheia de estrelas. Era uma vez, carregado de existência, sobrecarregado de gasolina, extasiado por limites, escrito por carbonos… Era um pouco de mim.

Quem me dera ter só mais um pouco de mim. Isso seria suficiente para completar minhas deficiências e colocar mais um pouco de areia na massa onde insisto fortalecer-me. Colocaria mais uma perna na cadeira e mais uma almofada no sofá: sabe-se lá quando precisaremos de reforços em nossas vidas. Tudo que eu precisava era de mais “eu” com uma certa dose (exata) de loucura, mas esbarro-me numa questão crucial, porque não é fácil ser louco. Por incrível que pareça, é preciso sensatez para entender a própria loucura e sensatez é remédio em falta nas prateleiras do nosso interior, ultimamente.

Melhor seria se pudéssemos escrever estórias de ninar criança grande, com finais sempre felizes, vocacionados pela infância que não requer escolhas concretas, nem respostas amenas… Melhor ainda seria entrar num jardim de infância aos 40 anos de idade e poder reescrever tudo aquilo que, um dia, escrevemos inocentemente e colorir a vida que aprendemos e vivemos até então. Haja giz de cera! Haja verdade!

No dia em que concluirmos que tudo está certo na nossa vida é porque tudo está errado. Quando a ilusão do concreto se sobrepõe à nossa humanidade, estamos gostando da história de querermos ser Deus. Quem não quer o poder ou a grandeza? As guerras existem porque governantes querem brincar de ser Deus: eu posso dominar. Eu queria só mais um pouco de mim para minimizar a miopia e conseguir entender até onde enxergam mentes mesquinhas.

Por onde passamos deixamos rastros, deixamos restos e resquícios. O importante é que sejam nossos e não os peguemos emprestado. A vida é nossa, não pode ser pedida emprestada, mesmo que a vida de alguém tenha um brilho fenomenal, um verdadeiro jogo de luzes e a nossa pareça ser iluminada por uma lâmpada de 40 watts. Resta-nos entender que outros compraram equipamento a equipamento ao longo do tempo e nós, enquanto isso ficávamos preocupados em testar as lâmpadas miseráveis nos supermercados, para ainda ver se funcionariam.

Eu queria mais um pouco de mim para dar de presente a mim mesmo, entregar-me num embrulho simples, mas vindo num Sedex 10, porque o tempo urge e não sei até quando vou precisar de um pouco só e até quando vou pedir uma restauração do meu ser para que tenha maior utilidade e não perca a validade.

Quisera eu ter partilhado a avaliação final do meu próprio produto acabado, na produção celeste, assim saberia a data do final da minha jornada.

Talvez, se assim o fosse, eu não tivesse coragem de pedir mais um pouco de mim, pelo simples fato de que veria escrito, nos olhos da vida, que eu já tivera tempo de mais para ser melhor.

Credo de um ateu

José Luis dos Santos

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Creio em mim, acima de tudo, que sou capaz de fazer melhor e ser mais que aquilo que realmente sou.

Creio na minha capacidade, acredito na minha verdade, ajustada pelo centro das minhas incertezas.

Creio na vida que se renova, mas não sei de onde ela vem e não me interessa para onde ela irá. Tudo que resta crer é que no fim dela nada sobrará. Nem lembranças, nem contendas, nem sorrisos, nem minha vida, da qual fugi incansavelmente, como mocinhos em lendas.

Creio que um dia serei, pelas minhas forças, tudo que ainda não sou, buscando no meu mar de letras apenas uma que me embase. Surtarei quando perceber enganos que cairão como fogo intenso sobre meus planos.

Creio na natureza, mas dela somente sinto cheiro de relva. Afasto diariamente o que possa me fazer lembrar que existe um Administrador no nosso retalho de espaço.

Creio no fim, mais que nos começos. Prefiro os recomeços para não ater-me a valores difusos e confusos. Busco um horizonte desbravado por mim e meu ser oculto. Nele contemplo as linhas que não creio haver.

Creio na dança prolixa a espalhar as dores da alma (se é que ela existe), como jogo de luz que lava meu banco de réu e minha capa negra, que carrego como justo juiz do que sou e do que tenho.

Creio nas formas de consumo, nas ganas e arrogâncias como meio de conquista. Creio na falta de fé, na fé que bate à minha porta e a encontra sempre bem trancada. Creio na chave que carrego presa à minha liberdade cativa.

Creio na lista que faço diariamente das minhas competências, das minhas assistências e que o mundo se faz comigo e por mim. Creio na pedra que me jogam, pois ela me servirá para contra-atacar, quando o filme já tiver acabado.

Creio no mastro e na bandeira, altivos e imponentes, que demarcam território de guerra em tempos de paz. Creio nos socos e na força dos ocos, de gente que subestima pessoas e ama o imponderável.

Creio na luta contra o aquele que precisa, na força do canhão contra o inocente, na fome como forma de condenação e no pisoteio como gesto de solidariedade.

Creio nos ossos e na carne, nos músculos e nos tendões. Tento esquecer que um músculo se chama “compaixão”.

Creio, na maioria das vezes, naquilo que não devo e fico devendo o relato daquilo que creio. Há tinta demais na minha caneta para isso.

Creio no fim e, quando ele chegar, trará consigo a única forma sana de abrir os meus lábios, sem pensar ou lamentar, mas apenas sussurrar ao desconhecido: socorro!

Amém!

Neutro

José Luis dos Santos

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“Neutro é quem já se decidiu pelo mais forte.” (Max Weber)

Embora tenhamos a oportunidade relutante de não admitir, precisamos considerar que jamais faríamos a opção pelo mais fraco. Mais fraco nos pensamentos, nas atitudes, na beleza, na influência, enfim, alguém desprovido de dons maiores.
Todos nós, humanos que somos, buscamos sempre a leveza do ser, contrapondo-se com nossa igual busca pela firmeza do existir.

A cada dia percebemos como é melhor e mais eficiente uma pessoa que nunca diz não às adversidades, que nunca diz não posso quando realmente pode ajudar, que nunca diz talvez, se ela tem um sim como a melhor resposta. É muito difícil carregar anos a fio uma pessoa disposta a nada fazer.

Então, vamos discutir a frase acima com Max Weber (ousando, é claro): nós queremos o mais forte. Mas, Weber não está errado também. Entendamos: se tivermos o pleno poder de escolha e optarmos pelo mais forte, estaremos bem servidos de gestos, atitudes e dons a mais. Corre-se, assim, um grave risco que é o de se neutralizar para sugar o andar do outro, a energia do outro, o fazer do outro.

É muito bom poder contar com o sim dos outros, mas precisamos negar nossa neutralidade diante do outro. Se eu tenho alguém para fazer mais comigo e por mim, eu posso agir como ele, aprendendo e tendo atitudes vastas como as dele. Se eu fizer opção por neutralizar meus gestos, estarei sendo apenas mais um. Sendo mais um eu apenas ajudei o outro a ser melhor, não aproveitei seu conhecimento, não aprendi com suas palavras, com seu trabalho eficiente.

Temos que ter gente melhor que a gente ao nosso lado. Iguais a nós, temos a nós mesmos. Precisamos de fonte nova de aprendizado.

Optemos pelo forte, pelo sábio, pelo correto, pelo melhor. Optemos pelo cheio e jamais pela forma medíocre da neutralidade humana. Se ajudo, sou ajudado, se planto boas ações, colho bons frutos. Se preencho não corro o risco de ser neutro ou neutralizar. Simples assim.

Desejos

José Luis dos Santos

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Em tudo que fazemos, um pouco de nós sempre é dispensado: fica ali, aguardando que alguém, algum dia, possa apanhar os frutos da nossa árvore, regada com suor, com sorrisos e muitas palavras, sejam de incentivo ou até mesmo de acalento.
Cada atitude requer coração e todo coração é movido a paixão. Paixão realista, não de sentimento somente. Paixão sentimental é aquela que passa, paixão realista tem lenha do amor na sua lareira. Onde há amor, há eternidade. Onde há eternidade, sobram reticências…

Todos os dias, quando acordamos, teríamos, quase por obrigação óbvia e necessária, olhar ao redor e observar tudo aquilo que tem um pouco de nós, de onde partimos para executar uma grande diferença. Fazer a diferença é uma forma de mover o mundo, até mesmo ficando no mesmo lugar. Basta acordar a sonolência dos gestos concretos e despertar a criança madura que insiste em construir casinha, debaixo do cobertor.

Se por acaso, olhando ao redor, não percebermos nosso ser em fragmentos, nas situações, nas edificações, nas relações, é porque não estamos, apenas desejamos estar. Desejos não movem atitudes, nem despertam interesses. Desejos só alimentam ilusão, colocam pedregulhos no alicerce, maquiam a estrutura, caso não venham a ser uma verdadeira construção. O desejo precisa colocar óculos escuros para esconder a direção do seu olhar, ao mesmo tempo, não usá-los para esquecer tudo o que ainda lhe cabe por herança do querer.

Para um ancião, uma criança brincando sintetiza o futuro dos seus abraços e o amarrar dos seus laços. Para um adulto, a mesma cena tem um brilho diferente, difuso, com ar de certeza. Já um adolescente, descrente, coloca seus fones de ouvido para não ver algo tão corriqueiro. A criança em si, autora e artista do enredo, vive o momento. Faz dos seus movimentos letras inaudíveis, sem saber que muda conceitos com um simples ninar, fazendo dormir sua boneca que nunca acorda. A criança deseja, brinca e constrói.

Entre o querer e o fazer existe um grande abismo. A arte não está em olhar para baixo e não desiquilibrar-se, está em apontar, em segundos, a solução logística para que esse abismo seja transposto. Sempre há um jeito. Esse jeito não conhece o desejo porque o desejo pode não ser o melhor meio de condução, naquele momento. Seja qual for, resguardados nossos conceitos, o melhor meio de condução é aquele que nos colocará na margem oposta.

Toda forma de sermos nós mesmos é a melhor forma de sermos os outros. Todo investimento em nosso ser passa pelo crivo do nosso ego e recebe carimbo de autenticação da humildade. Nunca entenderemos os desejos, eles passam e têm cara de saudade. Saudade é contraditória, doi devagar, mas a sua intensidade é anormal. Contrapontos que deslizam linhas e agulhas, unindo retalhos desejosos por cobrir o vazio saudoso.

Tudo pode ser eterno ou apenas desejos, enquanto não tivermos coragem de determinar um ponto final, incansavelmente, insistirmos nas vírgulas e, invariavelmente desejarmos os segredos tênues da nossa falível humanidade

Rindo de mim

José Luis dos Santos

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Nunca fui um sujeito engraçado, sábio contador de piadas ou coisas do tipo. Talvez porque minha seriedade contada e minha alegria contida tenham cedido lugar a um homem reservado, fruto de anos de uma solidão escolhida e declaradamente amada. Mas, hoje, resolvi rir. Rir de mim mesmo.

A vida é mesmo uma gigantesca lona aberta, desenhada com faixas horizontais, azuis e amarelas. Debaixo dela há gente pronta para rir de situações nem tão engraçadas assim, outras, no mínimo, criativas. A vida não chega a ser um circo, mas dá seu espetáculo, sim senhor.

Aos cinco anos de idade, questionei minha mãe por que teríamos que morrer. Recebi a explicação, não gostei. Percebendo minha insatisfação, minha mãe me questionou: “Mas, e quando Deus te chamar?” A resposta foi rápida: “Ué, eu finjo que não estou ouvindo…”

Aos seis, passeando, sentado na cadeirinha, na bicicleta Monark verde, série Ouro 1970, com meu pai, achei que inovaria enfiando o pé nos raios da roda dianteira. Eu e meu pai fomos ao chão e um pedaço do meu pezinho (naquela época) se foi. Aprendi que minha invenção revolucionária de frenagem não era muito boa.

Aos dez, descalço, mirei a bola com a categoria de Neymar, acertei o chapisco da parede com o dedinho, deixando mais um pedacinho de mim por aí. Eu e minha mania de deixar resquícios…

Aos dezesseis, tive uma grande lição. Ao comer um bombom, perto de um amigo, fiz o infeliz comentário: “Eu detesto o gosto desses enfeites!” Recebi a resposta: “Isso é biscuit e não é de se comer, sua anta!” Pensar que eu comi tantos até aquela idade, sem a menor necessidade.

Aos vinte, junto de outros amigos, fomos convidados para uma festa de aniversário de outra amiga. Não sabíamos onde ela morava. Em São Paulo ninguém se conhece direito, então saímos à procura no endereço que nos passaram. Estava tudo estranho na festa, ninguém conhecido… Somente na hora de cantar os parabéns percebemos que ficamos o tempo todo na festa errada. A casa da nossa amiga ficava um pouco à frente da casa onde havia outra festa, na mesma rua. Bando de sapos fomos nós!

Aos trinta e um, fui visitar um cliente e (erro primário) esqueci o nome do danado. Pedi ao porteiro de uma grande multinacional que olhasse para mim se por acaso o nome não era “Carneiro”. Ele procurou numa lista de uns duzentos ramais e nada. Pedi para ele quebrar meu galho, vendo se não era “Cordeiro”. Pacientemente ele corre a lista novamente, olha-me por cima dos óculos e fala com ar sarcástico: “Você não está procurando o Bezerra?” Era isso mesmo.

Aos quarenta e dois, dou menos bola fora e mais trabalho a mim mesmo, porque busco a certeza no lugar no improviso e o tamanho exato no lugar da fita métrica. Meço, com o olhar, cada letra, introspectando vírgulas e esquecendo pontos finais, afinal a vida precisa seguir e, nem sempre ela é feita de risos.

Uma coisa é certa, é bem melhor viver feliz, mesmo que nossa melhor frase não seja uma esplêndida piada.

Milagre

MILAGRE EUCARÍSTICO EM BUENOS AIRES

O atual Papa Francisco conduziu investigação para comprovar um dos maiores milagres eucarísticos da história recente, ocorrido em Buenos Aires em 1996.

Foi o chamado Milagre Eucarístico de Buenos Aires, onde uma Hóstia Consagrada tornou-se Carne e Sangue.

O Cardeal Jorge Bergoglio, Arcebispo de Buenos Aires, hoje Papa Francisco, ordenou que se chamasse um fotógrafo profissional para tirar fotos do acontecimento para que os fatos não se perdessem. Depois foram conduzidas pesquisas de laboratório coordenadas pelo Dr. Castanon.

Os Estudos mostraram que a matéria colhida da Hóstia era uma parte do ventrículo esquerdo, músculo do coração de uma pessoa com cerca de 30 anos, sangue tipo AB de uma pessoa que tivesse sofrido muito com a morte, tendo sido golpeado e espancado. Os cientistas que realizaram o exame e os estudos não sabiam que era material proveniente de uma Hóstia Consagrada, isso só lhes foi revelado após a análise, e foram surpreendidos porque haviam encontrado glóbulos vermelhos, glóbulos brancos pulsando durante a análise, como se o material tivesse sido colhido direto de um coração ainda vivo.

A Hóstia Consagrada tornou-se Carne e Sangue

Às 19h de 18 de agosto de 1996, o Padre Alejandro Pezet celebrava a Santa Missa em uma igreja no centro comercial de Buenos Aires. Como estava já terminando a distribuição da Sagrada Comunhão, uma mulher veio até a ele e informou que tinha encontrado uma hóstia descartada em um candelabro na parte de trás da igreja. Chegando ao lugar indicado, o Padre Alejandro Pezet viu a hóstia profanada. Como ele não pudesse consumi-la, colocou-a em uma tigela com água, como manda a norma local, e colocou-a no Santuário da Capela do Santíssimo Sacramento, aguardando que dissolvesse na água.

Na segunda-feira, 26 de agosto, ao abrir o Tabernáculo, viu com espanto que a Hóstia havia se tornado uma substância sangrenta. Relatou o fato então ao Arcebispo local, Cardeal Dom Jorge Bergoglio, que determinou que a Hóstia fosse fotografada profissionalmente. As fotos foram tiradas em 6 de setembro de 1996. Mostram claramente que a Hóstia, que se tornou um pedaço de Carne sangrenta, tinha aumentado consideravelmente de tamanho.

Análises Clínicas

Durante anos, a Hóstia permaneceu no Tabernáculo e o acontecimento foi mantido em segredo estrito. Desde que a Hóstia não sofreu decomposição visível, o Cardeal Bergoglio decidiu mandar analisá-la cientificamente.

Uma amostra do Tecido foi enviado para um laboratório em Buenos Aires. O laboratório relatou ter encontrado células vermelhas e brancas do sangue e do tecido de um coração humano. O laboratório também informou que a amostra de Tecido apresentava características de material humano ainda vivo, com as células pulsantes como se estivessem em um coração.

Testes e análises clínicas: “Não há explicação científica”
Em 1999, foi solicitado ao Dr. Ricardo Castañón Gomez que realizasse alguns testes adicionais. Em 5 de outubro de 1999, na presença de representantes do Cardeal Bergoglio, o Dr. Castañón retirou amostras do tecido ensanguentado e enviou a Nova York para análises complementares. Para não prejudicar o estudo, propositalmente não foi informado à equipe de cientistas a sua verdadeira origem.

O laboratório relatou que a amostra foi recebida do tecido do músculo do coração de um ser humano ainda vivo.

Cinco anos mais tarde (2004), o Dr. Gomez contatou o Dr. Frederic Zugibe e pediu para avaliar uma amostra de teste, novamente mantendo em sigilo a origem da amostra. Dr. Zugibe, cardiologista renomado, determinou que a matéria analisada era constituída de “carne e sangue” humanos. O médico declarou o seguinte:

“O material analisado é um fragmento do músculo cardíaco que se encontra na parede do ventrículo esquerdo, músculo é responsável pela contração do coração. O ventrículo cardíaco esquerdo bombeia sangue para todas as partes do corpo. O músculo cardíaco tinha uma condição inflamatória e um grande número de células brancas do sangue, o que indica que o coração estava vivo no momento da colheita da amostra, já que as células brancas do sangue morrem fora de um organismo vivo. Além do mais, essas células brancas do sangue haviam penetrado no tecido, o que indica ainda que o coração estava sob estresse severo, como se o proprietário tivesse sido espancado.”

Evidentemente, foi uma grande surpresa para o cardiologista saber a verdadeira origem do tecido. Dois cientistas australianos, o cientista Mike Willesee e o advogado Ron Tesoriero, testemunharam os testes. Ao saberem de onde a amostra tinha sido recolhida, demonstraram grande surpresa. Racional, Mike Willesee perguntou ao médico por quanto tempo as células brancas do sangue teriam permanecido vivas se tivessem vindo de um pedaço de tecido humano que permaneceu na água. “Elas deixariam de existir em questão de minutos”, disse o Dr. Zugibe. O médico foi então informado que a fonte da Amostra fora inicialmente deixada em água durante um mês e, em seguida, durante três anos em um recipiente com água destilada, sendo depois retirada para análise.

Dr. Mike Willesee Zugibe declarou que não há maneira de explicar cientificamente este fato: “Como e por que uma Hóstia Consagrada pode mudar e tornar-se Carne e Sangue humanos? Permanece um mistério inexplicável para a ciência, um mistério totalmente fora da minha jurisdição”.

O avesso do remendo

 José Luis dos Santos

Em certos momentos da vida eu ri, noutros eu ri também.

Por vezes eu fiquei contente comigo mesmo, noutras infeliz com meu contentamento.

Já contei e revivi contos para criança ninar, contando para mim mesmo estórias que não me convencem mais.

Já sou o que um dia quis, mas busco, nos meus reflexos, aquele menino que almejava sonhos tão brandos.

Através desses raios entendi que cortinas para nada servem, porque são descontentes com sua ineficiência, mas aprendi que já serviram para esconder pés, à mostra, brincando de esconde-esconde.

Cansado de não apanhar, busquei pedras para atirar nas minhas esquinas. Com elas reconstruí a calçada da minha insônia, causada por lembrar-me demais que muito existo.

Seguindo meus passos, dei de cara com a ponte que liga meu lado incerto ao lado coerente. Debaixo dela corre uma água que não me encoraja a um mergulho: profundidade que ainda desconheço.

Em vida me pediram para ser outro humano, ainda em vida, insistem na minha pequenez. Não sei por que ainda se lembram daquilo que fui, enquanto não consigo imaginar o que ainda sou.

Persisto cambaleante, remendando versos e costurando letras, umas às outras, criando nexos e evitando páginas. Penso que livros são mentes, logo desisto, porque mentes precisam ser insistentes.

Vejo ao longe meus olhos fixos no horizonte, o que será que vejo? Acredito que algo perfeito com cheiro de ajeito. Nada está conforme, enquanto o lápis de colorir ainda dorme.

Concluo que minhas cores são por demais pesadas, almas geradas numa aquarela sem noção.

Amaldiçoo os pincéis que rabiscam os papéis da minha escrita terrena sem emoção.

Ressuscito de mim mesmo, porque acordar é preciso. Busco unir avidez de um guerreiro e a paz de um eremita, crente que terei sucesso na empreitada em defesa dos poucos fios que restam aos remendos que fiz até hoje.

Saio do sepulcro, nem sequer caiado, fétido e abençoado. Saio do meu insólito mundo para abraçar suas vestes alvas, deixa-las estragadas, somente para ter o que remendar, em vez de costurar.

A pedra é pesada, vou empurrá-la sozinho. A pedra está sozinha, vou deixa-la ver minha ressurreição de homem-menino, querendo dar novo pulso ao coração.

A pedra rola, com seus movimentos insinuantes, cortando o chão. Saio para fora, apagando o breu, com jeito de clarão…

Contando minutos

José Luis dos Santos

Na pacata Vila dos José’s os minutos se faziam gradativamente, lentamente, num compasso com cara de horror cronológico. O “tic” bocejava à espera do “tac”.

Impreterivelmente às onze horas, sorrindo ladeira abaixo, deixando o labor braçal e fatigante, cumprimentado a todos com largo sorriso, chegava em casa Josildo. Homem bom (para os outros), de fé (para as beatas), trabalhador. Bom, trabalhador ele era mesmo, isso não se pode negar.

O portão de casa era o limiar entre um Josildo e outro. O “Josildo do lado de dentro do portão”, ignorava a corrida cambaleante dos filhos gêmeos de ano e meio de vida, que queriam abraça-lo e, no máximo, eram cumprimentados com um “sai pra lá”. A esposa era tida como serviçal e, por ironia do destino frio e dolorido, chamava-se Isaura, mesmo nome da famosa escrava da novela.

O que incomodava Isaura não era o tronco ou a surra. O que incomodava Isaura era o chicote partir de alguém com duas almas, dois sorrisos, dois cadeados, duas ilusões… Iludia-se e iludia a outros.

Nenhuma palavra acompanhava o prato do dia: arroz, feijão e ovo. Nada mais. A vida simples fazia com que Josildo se encontrasse no meio de dúvidas permanentes: por que minha vida tem que ser assim? Na cabeça de Isaura, pouco importava a simplicidade: por que temos que viver assim? Não fosse o amor que sentia por Josildo e pelos filhos, já teria fugido, como faziam alguns escravos.

Dessa forma rastejava a bela Isaura, bela de alma e nas suas feições dolorosas. A dor também tem beleza. A dor de guardar a dor é muito maior que a dor física. Incomoda o tempo todo, não tem remédio senão gestos e atitudes. Só sara quem quer e quem se apoia numa ajuda mútua.

Passado, novamente, o limiar do portão, a cara sisuda ganhava novas feições e lá seguia aquele homem estranho. Não se poderia classifica-lo como mau, tão pouco como homem de bem. Algumas pessoas nos levam a acreditar que o ser humano tem uma surpresa indecente pro trás das suas cortinas.

Numa última tarde, numa última despedida da vida, desce Josildo novamente a ladeira com o mesmo sorriso esquisito nos lábios. Alguém se aproxima e corajosamente lhe desfere três golpes de faca nas costas. Sem tempo sequer de avaliar quem seria seu algoz, que fugira logo, caiu lentamente, esforçando-se para segurar-se no muro, ralando o rosto num chapisco antigo e mal feito.

Alguns curiosos aproximaram-se, outros mais cuidadosos encarregaram-se de leva-lo ao Pronto Socorro. Sem chances. Morrera dessa forma Josildo.

O algoz não fora encontrado até hoje, sabe-se que vira Josildo batendo violentamente em Isaura, numa noite de domingo, após sua bebedeira semanal. Ficara indignado com tamanha violência e resolveu fazer justiça da pior forma possível, usando-se de outra forma de violência. Uma palavra teria tido muito mais poder que três golpes de faca. Sofre mais quem sente o ódio.

Vida dura e nova para Isaura, infeliz por ter perdido o homem que amava e esperançosa por ter que tentar nova vida. Por incrível que pareça ainda era infeliz, aprendera a viver de passados, apostando na falta de tempo vivido e não na força do futuro. Isaura viveu uma quaresma de quatro anos, redimindo-se dia-a-dia. Não precisou somente de quarenta dias. A Isaura do presente via-se refletida na Isaura quaresmeira, vestindo roxo, do passado.

A vida chega a ser engraçada… Aprendemos a dar mais valor à falta de tempo do que ao tempo que ainda nos resta viver.

Por acaso

José Luis dos Santos

Se por acaso eu não mais te amar, não se preocupe, quero apenas um tempo para lembrar que posso ver-me refletido num espelho.

Se algum dia eu me lembrar de te ligar, atenda, eu preciso dizer que não estava enganado ao ter dito que não seria fácil ser eu mesmo, distante dos seus erros.

Quando o sol se por, saia para a rua. Correremos um grande risco, calculado, de abraçarmos o vento à espera um do outro.

Se a vida não nos entender, abra um livro e conte as letras, somando uma a uma as vontades e ilusões que você mesmo me ensinou a escrever.

Se por acaso a dor da sua história e o final da novela não for suficiente para encher seus olhos de lágrimas, conte comigo para enxugar as poucas que restarem, com meu lenço feito de gestos amenos.

Se ao virar-se para trás, buscando seguir em frente, você não entender seu próprio gesto, quero te ensinar, escrevendo no quadro negro da história humana, que só caminha quem não tem medo do passado.

No dia seguinte ao domingo, prepare-se intensamente para o próximo sábado, ele é uma espécie de horizonte: ninguém sabe o que virá, mas que virá algo que nos surpreenderá, disso temos certeza.

Se nada vier e, por acaso, fugirem os gestos, corra atrás, lace-os com a força da alma e os músculos dos dedos. Não gesticule até que tenha certeza absoluta de que vale a pena acenar para o presente.

Quando o ocaso atrapalhar nossa visão, o acaso fará com que nos encontremos novamente, abastados de sermos nós, na imensidão dos nossos sentimentos.

Dessa forma nossa juventude estará renovada, empilhada, destruída e reinventada. Nova vida ressuscitada, pedras que rolam serão novamente cantadas.

Quando o mundo couber na palma da nossa mão, com a minha mão em cima da sua, sempre (para evitar que você se machuque), eu me farei entender e serei aquilo que ainda não entendo.

Estou certo de que nossa vida pode ser melhor, eu no meu canto, te vendo com seus encantos, observando, ao longe, seus gestos graúdos, filhos da sua lábia generosa com seu poder de persuasão. Ver-te basta-me. Encontrar-te revigora-nos.

Se por acaso nosso ser jovem se perder na falta de vitalidade descompassada dos nossos exercícios, eu estarei sempre a enfatizar, com minha voz forte e tímida, a contagem ríspida e voraz de quem quer acabar logo com tudo isso.

Se por acaso eu não mais te amar, não temas, minha juventude ainda terá tempo de sobra, para ensinar à minha maturidade que a vida se faz, a cada vez que eu insisto em te deixar e concluo que não posso viver sem você.

Novamente

José Luis dos Santos

Novamente me encontro no mês de janeiro. Ele com sua cara de impostos a serem pagos, sol a queimar nossa pele e todo um jeito de descanso.

Janeiro tem cheiro de novo, beira a arrogância. Tem jeito de quem ri escondido dos enfeites natalinos ainda dependurados e das luzes queimadas do pisca-pisca brega.

Irônico, sem conserto, critica a farofa de peru que não acaba nunca (na verdade parece que peru não morre e não acaba… Convivemos com ele muito tempo pós-Natal). A impressão que tenho é que o peru do Natal tem sempre 30 quilos, já desossado, pelo menos, considerando a convivência diária. Em fevereiro despedimo-nos dele, saudosos de dezembro que, então, estará longe…

Tantos janeiros passados, criando cabelos grisalhos, rugas expostas, consciência descansada. Janeiro é uma forma de extravasarmos nossos erros e defeitos, tudo se faz novo. Janeiro é um momento de 31 dias, vários dias que cabem num instante. Passa logo.

Janeiro ensina-nos a rir do tempo, ele chama-nos no canto e canta uma cantiga de solidão, põe lenha na lareira apagada e liga o ar condicionado. Revela-se amável, contundente e de uma urgência impressionante. Janeiro tem pena dos dias e insiste em mantê-los honrados.

A cada momento vivido, um dia a mais ganhamos. Não perdemos tempo com o passar dos minutos, ganhamos a luta contra nós mesmos, insistentes que somos em deixar de lado nossa imaginação, tentando pensar com as letras dos outros.

Lenha, novo, ar, cantiga, solidão, dias, horas, enfim, vida a ser vivida. Janeiro está sempre com malas prontas, não as faz ou desfaz. Carrega o suficiente e busca o incipiente.

Janeiro nos condena e nos manda para a cadeia embrionária que pensamos saber sobre nossos rumos. Ele aponta, com o dedo em riste, entristecendo nosso modo de pensar a vida e de celebrar a morte. Cada segundo de cada mês quer ser uma lei enfatizada e documentada, lida em público e posta em prática, porque o legislador do primeiro mês do ano tem necessidade de ser, simplesmente ser.

Como veio, ele irá. Do nada para o novo, cheio de vontade de fazer novas todas as coisas.

O que são todas as coisas senão uma única palavra? Esperança. Esperar em janeiro é acreditar que dezembro já se faz e que faremos, juntos, grandes novidades.

13 passos

José Luis dos Santos

“É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”. (Drummond)

Sempre se pensa em uma lista de boas intenções para o mês de janeiro, a cada ano. Melhor seria intencionar razões a cada janeiro.

Janeiro vem com uma luz própria, abertura triunfal de uma Olimpíada que surge sem data prevista, se considerarmos que todos os meses podem ser janeiro, afinal todo dia pode ser um recomeço. Todo mês pode ser um conta-gotas generoso, esparramando segundos por sobre as nuvens da nossa existência.

Não adianta dar pulinhos sobre as ondas, jogar ofertas ao mar, guardar trevos na carteira… Adianta sim (verdadeiramente) acordar o ano novo dentro de nós. Todo ano pode ser velho, importa e implica aqui a visão de cada um.

Recomeços são doídos para alguns e pontos de partida efetivamente para outros. A escolha depende da quantidade de dedos que colocamos nas nossas mãos e da qualidade do acerto no par ou ímpar. Podemos ganhar, na mesma proporção que podemos errar a escolha. Os dedos apenas aguardam nosso comando para incorrerem no erro ou na vitória.

Se nos parece que ter dedos demais importa, melhor seria ter dedos, não importando a quantidade. O tempo nos levaria a acostumarmo-nos com nossa deficiência ao apontar o dedo em riste: você fez…

Janeiro desponta e já apronta. Quer ser e já é. Vive tudo aquilo que um dia não sabíamos existir, vive o futuro. O hoje torna-nos crentes porque já existe, mas visualizar o que virá custa muito, custa além do esforço, pede-nos visão fora aquilo que nossa ótica costuma enxergar.

Ao longe podemos perceber nossa pequenez querendo vida. Tão distante de nós está nosso poder de desdobrar e, ao mesmo tempo, tão perto vemos nossa estrada criando curvas imaginárias e escorregadias. A escolha do janeiro é nossa.

Palavras ao vento

José Luis dos Santos

Rodeada por monstros imaginários, falta de sentidos e risos interiores, Lourdes sentira sua hora chegar. Não uma hora de partida para o eterno, mas uma hora para pensar o Eterno. Tem muita diferença nisso.

A vida de algumas pessoas sempre nos parece mais fácil, da mesma forma que férias dos outros nunca acabam…

Lourdes sentia que a vida dela havia tomado forma de conta-gotas, há tempos, gotas de lágrimas ao avesso, caindo sobre seu colo, confundindo sua cabeça, alimentando suas esperanças e forjando sua força interior. Precisando de refúgio, refugiou-se. Precisando de conselhos, encontrou-os.

Do seu lado uma velha companheira olhava-a com piedade. Silenciosa, crédula, pesada, surrada pela idade e, ano após ano, com as mesmíssimas palavras. Lourdes delirava quando o vento soprava, balançava aquela figura tão amiga, tão presente, tão sincera e, por vezes, com tom de impiedade na luz que refletia dos seus olhos.

A velha companheira nunca a havia abandonado. Em todos os momentos de alegria ou dor, lá estava ela falando de paz, cantando o amor, sorrindo para a dor. Nunca foi preciso procura-la, ela sempre ESTÁ, ela É. Quem sempre ESTÁ não precisa ser chamado, já é um escolhido pela própria disponibilidade. Quem sempre É não precisa de adjetivos, basta um acento agudo para afirmar-se.

A melhor brincadeira de Lourdes era deixar-se levar pelas palavras sopradas pelo vento: o vento soprava as folhas da sua velha e companheira Bíblia, parava em algum trecho e Lourdes acatava aquelas palavras como se fosse uma ordem. Quando o resultado não era dos mais animadores, a boa senhora cuidava para não deixar-se levar pela falsa leitura “da sorte” e buscava sentido positivo nas palavras ríspidas. Lembrava com carinho dos seus pais que, mesmo quando falavam mais alto, exalavam um suave e consciente perfume de “lealdade à ética e aos bons costumes”. Lourdes nunca se sentiu complexada por ter sido corrigida, complexos modernos sempre incomodaram sua postura de quem gosta do que é correto.

Palavras com destino certo, palavras de conselho e certezas ao molho de ascese. Assim chegava o aroma de cada letra, daquela velha e amada fonte de energia para o dia-a-dia. Alfabeto por vezes claro, noutras horas, confuso, mas sempre amável e paternalmente corretivo.

As coisas mudam, hoje as Bíblias nem sempre são bem quistas e a educação religiosa é fator desconhecido na somatória de atitudes de muitos lares. Tudo tem um início, deixar de conhecer a palavra do bem pode ter sido o pior início para o caos social vivido nesses tempos de “bullying”. Fazem “bullying” com a Palavra.

De uma coisa Lourdes sempre esteve certa, pensou novamente recolhendo seu rosário e voltando à clausura das Irmãs Passionistas: “se existe ticket de entrada para o céu, ele precisa ter uma letra de cada página da minha velha e boa companheira”.

O preço do ticket? O valor inestimável de derramar Palavras ao vento… palavras que não passam.

Enfim sós!

José Luis dos Santos

Encontro-me num canto, pesando minhas atitudes e pensando nos meus caminhos. São tantas as estradas que, por vezes, preciso pensar naquela que me leva a algum lugar e quais as que querem fazer-me derrapar.

A busca pelo resto de uma vida inteira é a tônica disciplinar e maternal daqueles que pretendem continuar ficando, mesmo já tendo ido. Nunca podemos desconsiderar o valor da lápide. Nela temos a livre obrigação e a grata ofensa subserviente que nossas palavras poderão expor. Nela seremos eternamente, anos a fio, mesmo que distantes, separados pela falta de respiração, mesmo que ofegantes.

É muito triste um túmulo sem palavras para a lápide. Pode-se pensar se o “sujeito ali postado” não tinha palavras a deixar ou  deixou tantas, transformadas em bons exemplos, que não foi possível fazer um resumo, seria preciso toda a marmoraria. Pessoas que não deixam palavras não podem ser traduzidas.

Há quem procure um canto a cada dia, para ser, nalgum tempo, um canto de espera por alguém. Outros são cantos que buscam acomodar melodias e harmonias, na certeza de que uma voz afinada encontrará aconchego ali. Mas, na lógica, sempre haverá alguém a ter um cantinho a nos esperar. O diminutivo ajuda no reencontro com nossas dúvidas grandiosas, na intensa busca pela vocação que nos aguarda.

Não entendo quem gosta de trabalhar com sangue, também há quem não entenda como gosto de trabalhar com pessoas e letras. Eu entendo meu gosto, mas ele não pode ser real para quem quer transformar vermelho em alegria de ser. Ainda bem que alguém sempre escolhe a medicina, mas que não falte nunca alguém que escolha o alfabeto.

Entre letras, ter e ser, o viver e o amar há uma grande certeza: a gentileza da dor. É nesse momento que podemos dizer a nós mesmos: enfim sós! Eu e minha mais profunda dor de querer mais, concluir que sou menos, viver com pouca intensidade e amar somente o necessário para ser chamado de humano. Enfim sós e, por fim, doloridos. Afinal a vida sem dor é uma vida sem busca por respostas. Mas ainda acredito que é melhor fazer perguntas.

De repente, quem sabe um dia, partilhemos o mesmo canto, cantando nossas diversidades e sonhando com nossas dúvidas concretas, eternas, por vezes idiotas e certamente irrelevantes. Quem não duvida não chega a nenhuma conclusão. A procura encontra-se à disposição nas vitrines por onde passamos, damos uma espiada e nada levamos só pelo simples fato de vermo-nos refletidos em seus vidros.

Nunca podemos crer sem duvidar. A sós comigo mesmo, no meu canto, cantando luzes e espalhando ponderações, chego sempre à cotação das minhas moedas. Melhor acreditar que o preço da certeza é a dúvida e o valor da dúvida é estarmos certos. Bom, deve ser isso.

Cabelos grisalhos

José Luis dos Santos

Definitivamente, estou ficando velho. Cabelos grisalhos, mais ranzinza e avesso aos “tuf-tuf-tuf” das batidas eletrônicas. Tem gosto para tudo nessa vida. Inclusive gosto para os meus gostos.

Conforta-me saber que não estou sozinho na luta diária, por dias a mais, na somatória do horizonte ofuscante do tempo. O tempo acha tudo muito fácil, alimenta-se de gostosos segundos, guarda preciosos minutos nas gôndolas da vaidade. O tempo somente vai, a semente é a única que vem, deixando rugas que imergem rusgas, para então germinar ponteiros, maiores ou menores, isso não importa, o que se destaca é a compostura de objetos bem mandados, sem pudor e sem odor.

O tempo não encontra ninguém na injusta contramão. Quantas vezes nós precisamos estar do outro lado. Retornar é bom quando a alma alheia nos espera de braços abertos, com roupa e anel novos, para nos presentear. Filhos pródigos sempre amam o retorno, não fosse o abraço da volta não haveria a rebeldia da partida. Não fossem as rebeldias, porque haveria festas? Um único abraço caloroso vale toda uma noite festiva.

As placas orientativas da minha estrada parecem mais apagadas, desgastadas e muito conformadas com o fato de serem placas. Poderia ser solução, orientação, mas preferem ser sinalização. Apontam para onde nunca foram e, talvez, nunca conhecerão. Os rumos das placas nunca são conhecidos delas mesmas.

Quando percebo o serenar dos meus cabelos, vejo a sensação horrorosa do tempo esvoaçante. Nunca quis ser novo, em que pese minha meia-idade, sempre quis ser experiente, mas, o máximo que consegui até agora é ser contundente. Confundo-me até digitando, porque ao fazer isso estou certo de que digito a mim mesmo: um pouco de mim em cada letra que aparece (sutilmente) na tela do micro, ficando…

Sem saudosismo ou falsa emoção, para quem não gosta de tradições é fácil acostumar-se com os novos rumos que meus cabelos grisalhos têm visto e tomado. O que é novo pode ser condutor ou devastador, mas eu prefiro tudo que não suporte minha dor. Ela já é pesada por demais para mim, não quero compartilhá-la com ombros menos calejados. Minha dor de não ter tempo para pensar no tempo que perdi, busca remédio na ausência de um relógio em meu pulso.

Com cabelos acinzentados, quase uma quarta-feira pós-carnaval, não consigo nem mais conter a ira de ter que dissertar sobre um tema tão simples que me pediram para assinar nesse espaço. Tão simples que estou tentando complica-lo, não sei por que, mas sei para que: palavras demais para explicar meu pequeno ego.

Todo corpo tem ego, todo corpo é místico, toda mística incorpora letras embaralhadas, mas faz-nos e isso é tudo.

Vou desmistificar essas pontuações irrelevantes e nada mais: o tempo nos faz sermos “nós conosco mesmos, nós com Deus e nós com os outros”. Nós que não desatam.

Acho que consegui desatar esse nó, com um nó na garganta. Coitado de Deus que assistiu a tudo isso… Se Ele não tinha cabelos grisalhos, acabei de presenteá-Lo. Que dó…

Verdades sobre a mentira

José Luis dos Santos

A mentira é fascinante. Ela tem o poder de levar-nos a um lugar aonde nunca chegaríamos sozinhos, porque precisamos de asas carregadas com penas de ilusão para chegarmos a um patamar tão falso. Sou desinteressado pelo assunto, nele me perco e, quase sempre, não sei por onde iniciar, porque a mentira não tem começo, tem meio e nunca se encontra num fim.

Ser o que não somos é esplêndido. Afinal de contas, quem não gostaria de ser e ter sem fazer o menor esforço por conquistar? Mentir é mais fácil, não requer doçura. Mentir pressupõe cara-de-pau e isso é pura arte para o mentiroso: sorrir, dar gargalhadas, brincar com sua própria ignorância. O que os outros vão pensar são outros quinhentos… Não vem ao caso e nunca virá.

Imaginemos um Ministério da Mentira, em plena Esplanada dos Ministérios em Brasília (DF). Candidatos formando filas para uma mísera vaga mentirosa como funcionário, sob um sol escaldante, à espera do concurso. Marcariam o que quisessem na prova, a mentira não seria a lei? Quem fosse corrigir as provas também usaria o critério do “amigo”. Ninguém deveria estudar porque, quanto mais próximo da verdade, pior seria para o candidato. Sobrariam candidatos e as vagas seriam facilmente preenchidas, na louca insensatez do trote em si mesmo: sou bom, sem sê-lo.

O Ministro, esse sim seria difícil encontrar. Cada partido teria centenas de nomes a apresentar e a quem escolher? Qual seria o nome mais adequado? Tantos talentos… Acredito que o processo dessa escolha seria a mais dolorosa dentre todos os Ministérios. Quando, enfim, fosse escolhido o Ministro da Mentira, seria aclamado com falsas palmas e ouviríamos, em uníssono, um forte grito de “viva os fracos”!

No dia 1º de abril de cada ano, o senhor Ministro da Mentira faria um pronunciamento, em rede nacional de rádio e televisão. Diria todos os seus planos para ludibriar a população, o que iria prometer e nunca cumpriria e daí em diante. Seríamos obrigados a ouvi-lo, como somos obrigados a ouvir outros mentirosos a cada dia. No final do pronunciamento tentaríamos dormir com seu sonoro “boa noite”. As náuseas começariam desde já, porque soaria tão falso que passaríamos mal, segundos após.

Jornalistas, em entrevista coletiva, fariam perguntas do tipo: “O que é a verdade para o senhor?” O conceituado Ministro diria que não poderia envolver-se com essa resposta porque ela não lhe traria boas lembranças. Um perspicaz repórter policial, aproveitando a deixa, perguntaria: “qual a última vez que o senhor voltou à cena do crime, onde o senhor falou verdades pela última vez?” Sua Excelência, o Ministro da Mentira, começaria a chorar, copiosamente. Seu pranto molharia os papéis que estariam sobre a mesa da entrevista coletiva e, curiosamente, borraria o que ele mesmo havia escrito, segundos antes: “eu fui, tu és”…

Pessoas de mentira são pessoas sem coração. Pessoas sem coração são pessoas que voam longe. Voam longe porque não querem sequer lembrar o caminho de volta, não faz bem aos maus compreenderem os caminhos.

Ainda bem que a humanidade tem bons corações e bons exemplos, como o Coração de Jesus, que jamais estaria exposto no gabinete – na sala do Ministro da Mentira, mas faz questão de estar às claras, na sala pública das nossas expressões. É verdade ou mentira?

Eternamente responsável

José Luis dos Santos

“Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma ideia antes dos outros, tua a registras: ela é tua. Portanto, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a ideia de possuí-las.” (Saint-Exupéry)

Quem abrir a página 48, do livro “O Pequeno Príncipe”, na sua 48ª Edição, pela Editora Agir, vai encontrar essas palavras.

Livros são vendidos, letras são postas em páginas diferentes, pessoas são transformadas, editoras engalfinham-se para ter esse livro quase infantil no seu portfólio, a preço de ouro, ou quem sabe, a preço de estrelas.

Estrelas são mais caras que ouro, por isso vale mais. Seu brilho é condescendente com a ignorância do nosso olhar, almejando que um dia possamos entender ao menos o que querem dramatizar noite após noite. Nossos olhos, dramaturgos eternos, podem vasculhar com periculosidade cada pequena ou grande constelação, gerada pelos erros e acertos de nosso brilho próprio.

Brilhar dói e corrói. Quanto mais vidraça somos, mais pedras nos apresentam, a cada minuto, ferindo nosso instinto do mais, do melhor. Quanto mais pedras recebemos, mais forte torna-se nosso eu Blindex.

Até agora já podemos contar seis estrelas de 2012, ou não? Poucos perceberam, mas houve noites em que as nuvens não queriam deixar nossa sorte apreciá-las. Poucos enxergaram, elas estavam lá, impiedosas. A sétima estrela, já fulgurando ao longe, tão perto que se pode conta-la no quadro em questão. Então, se demorarmos muito a ler esse artigo, outra constelação manifestar-se-á, denominada 2013.

O tempo passa… Não sei em qual página da vida você está, em qual edição você se coloca, qual a editora que detém direitos e deveres sobre você. Apenas sei que você, provavelmente, conhecia apenas umas poucas frases de Saint-Exupéry e, uma delas, é “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Há uma constelação à sua volta, de pessoas, situações, ideias, melhorias, inovações, frases…

Não demore assim, se decidir partir, então vá.

É bom lembrar que essa última frase também é de Saint-Exupéry, ele enxergava além daquilo que está à sua frente e não somente uma única edição, uma única editora, uma única palavra, uma única página para o seu livro. Livro não, ele logo enxergara um best-seller.

Mundo Estranho

José Luis dos Santos

Eu venho de um mundo tão estranho que não consigo explicar a intensidade do aconchego que há por lá. Há quem vagueie e há quem nele permaneça. Alguns compram passagem de ida e outros pedem informações errôneas pelo caminho de volta.

O céu é sempre estrelado, mas chove mesmo assim. As nuvens são puro algodão doce, que não pude comprar na infância e que hoje se confronta com os halteres que aliviam minha consciência perniciosa, danosa às minhas vontades mais intensas.

Tenho muitos confrontos por lá, ideias e ideais que se amam num octógono, normalmente sangrento, mas com espírito intenso, imenso, que não cabe nos poucos centímetros que se encarregam de ser aquilo que outros entendem como belo, outros compreendem a vastidão do nada, incubado numa trena muito usada, com números ilegíveis, apenas imagináveis.

Nele a ousadia despe-se a cada manhã, enrubescendo o horizonte maroto. Ele, tímido por ainda não ter conquistado violentamente sua plantação de flores do campo.  Ela irradiando sempre raios mornos, tirando as blusas dos mais desavisados, ensinando que já é hora de despedir o tremor.

Suas terras são azuis e o céu tem cor de gente, cada dia uma cor e em cada cor há uma tolerância comigo mesmo. As plantações adornam todos os cantos com sua forte cor vermelha, observando o pulsar escorrendo por sulcos alagados de vida pura.

Já tive vontade de deixar meu lugar, mas sempre me esqueço de pensar nisso.

Eu vim de mim mesmo e pra mim mesmo sempre volto, numa doentia ganância por sentir meu calor adornado pela lareira que construo a cada dia. Sei que ainda partirei sem, ao menos, tê-la terminado. É estranho esse mundo, como estranho também sou, mas esse mundo é só meu.

Obsessão

José Luis dos Santos

Se algum dia eu chegar à conclusão de que não sei amar, não ficarei ofendido com minha permissiva leviandade, vou alegrar-me, porque descobrirei, na mesma hora, que tenho muito a aprender e muito tempo para aqui ficar. Concluirei que preciso ter um acerto de contas comigo mesmo.

Se por acaso eu desistir de levar minha ausência adiante e, no meio do caminho, chorar copiosamente, saberei que não sou mais o mesmo, porque, há tempos, não sei o valor de uma lágrima que brilha dentro um olhar lacrimejante. As contas estarão bem acertadas com um passado de risos e olhares vazios, longinquos. Apenas olhe-me, apenas deixe-me ver seu olhar.

Quando a escuridão se fizer um obstáculo, empresta-me seu horizonte negro e límpido. Não devolverei. Gosto daquilo que me faz enxergar o inimaginável. Não me venha com laternas, fósforos ou algo que me lembre a luz. Quero a luz dos seus erros me ensinando a trabalhar minha mais pura obsessão pelo nada.

De vez em quando espie a calçada, observe bem perto, minha alma chegando ao longe, contagiando sua energia perdida. Corte apenas aquele galho que te impedirá de entender que minha silueta já traz um tom grisalho, necessário para dizer o que não você não gosta de ouvir.

Consiga-me uma pedra escorregadia, onde a água bate, mas não fura. Preciso dessa teimosia para acalentar minha consciência, alegando em minha própria defesa que não sou tão duro com suas vontades. Esparrame o leite derramado, corte o ar que candencia o pulsar do coração, sem, contudo, deixar de viver uma experiência única pela loucura da leveza de simplesmente ser.

Ensine-me a ter certeza de que, um dia, não serei normal, para buscar na minha anormalidade a sentença de que cada ser é único e de que cada loucura é sábia.

Se algum dia eu te chamar não me ouça, seja complacente com minha sensatez. Grite se for preciso, para que seu grito abafe as inverdades que naquele momento eu vou querer dizer e você estará com fones de ouvido.
Acredito no precisar, mas adotei o fugir. Ainda vou estender minha mão pedindo a sua, mas dê-me apenas sua voz abafada por meus devaneios, por minhas crenças e por minha falta de vínculo com a omissão.

Quando eu insistir, obsessivamente, que me fale apenas uma letra, conte-me que existe um alfabeto inteiro e que, juntando letra a letra, vamos conseguir nos entender, conjugando o verbo amar.

Ensina-me a brigar comigo mesmo, selando definitivamente, a paz com meus momentos de guerra interior, onde o vencido é amado e o vitorioso recomeça seu treino imediatamente.

Assine embaixo, seja autora dos seus sonhos, dê-me um autógrafo escrito sobre águas, porque a pureza sempre combinou com seus olhos e seus olhos sempre enxergaram o que a vida tem de melhor, de mais belo.

Se algum dia a gente precisar de mais um dia, darei um jeito de formatar todas as nossas horas vividas juntos, compilando minutos e muito certo de que você sempre foi o relógio que marcou a minha hora mais concreta. Esqueça os segundos, eles são imprescindíveis apenas para quem tem uma visão extremamente limitada.

Algum dia. Esse dia é hoje e esse dia ainda será. Dê-me um calendário.

Gosto

José Luis dos Santos


Gosto do brilho da noite, que ela traz em si e por si. Ele não se perde em função do “tempo”, afinal o tempo pára para contemplá-la e embriaga-se com suas doses generosas de solidão. Gosto da solidão e do brilho. Gosto daquilo que não sei explicar. Gosto dos tropeços ao avesso e temo os passos travessos. Gosto de gostar, sem medo de não acertar. Gosto do sereno que me aponta o dedo em riste, querendo dizer que, posso errar, o que não devo é desacreditar que o sol está logo ali, escondido sob as asas da minha sensatez. Gosto de ser e, na ilusão, me enxergar.

O Náufrago

José Luis dos Santos

Não somos atores famosos, sequer roteiristas renomados. Não temos uma bola “Wilson”, mas, somos náufragos. Na loucura e na doçura que a lucidez não nos proporciona, naufragamos acompanhados por ondas revoltas, vislumbrando ilhas distantes e imaginárias.

Já que não podemos enlouquecer por méritos próprios, precisamos de um pouco de ânsia, iluminada por devaneios e agitada pelos ventos recondutores e reconfortantes, que nos trazem a notícia de que, somente será possível alcançar a lucidez, quando a metade que resta dos nossos sentimentos estiver entrelaçada numa percepção quase afogada, embriagada no nosso mar de letras, sem o menor pudor de não haver pontuação.

Vamos nadar em vão, usando bóias salva-vidas desinfladas, apropriadas para o desespero, preparadas para o destino que construimos ao longo dos nossos dias. Um filme, estragado pela umidade, passará por nossa mente e, num abrir de olhos sonolento, debaixo de um sol escaldante, enxergaremos a última baleia brincando ao longe, certamente feliz ao ver-nos em apuros.

Qualquer objetivo passa a ser uma relíquia quando encontramo-nos longe da verdade sobre nós mesmos. Mentir sobre a vida é algo inevitável, afinal de contas somos aquilo que gostaríamos de ser e não o que somos no momento. Vivemos aquilo que um dia criamos na mente dos outros e, se bobearmos, ganhamos uma plástica gratuita para parecermo-nos com o incomparável.

Avessos ao sal que nos queima e ao sol que deixa sabor amargo na nossa pele, aguardamos por socorro. Socorro que poderá partir de outros ou, de preferência, de nós mesmos. Alguns outros são aqueles que imaginamos, mas, quando realmente os conhecemos, desistimos de conhecê-los profundamente. Mente sã em corpos imundos ou corpos que andam sem mente alguma. Nademos para não afogarmos na imensidão desse oceano fétido.

Por devaneio ou por insanidade momentânea, avistamos um navio, solitário, lindo e saltitante por sobre as ondas. O aceno é inevitável, a resposta é inviável. Um apito ecoa nos nossos ouvidos, mas não sabemos se é uma saudação ou se somos, novamente, um incômodo. Pelo sim, pelo não, continuemos o aceno, fraco, instável, mas nosso, sem precisarmos de braços alheios. Ainda somos, ainda existimos.

Um bote é lançado ao mar, alguém ressuscita-nos para a vida que achávamos perdida. Perdida ainda estará, até que encontremos o sentido para tudo isso. Navegar é preciso, mas viver é necessário. Se navegar é para outros, viver é para completar o desejo da nossa solidão.

Somos postos cuidadosamente sobre um colchão, que há muito não víamos. Aconchegados por mãos desconhecidas e abraçados por vozes confortantes. Opiniões e rechaças, injustiças e ameaças. Ainda estamos aqui, sobrevivemos a esses 2000 anos.

Nós, somente nós dois, como nós que não desatam e, desconhecendo a ilusão do ponto final, agora firmaremos nossos passos no poder da vírgula, sem medo do castigo que receberemos do todo imponente alfabeto final. Quem já esteve no A pode facilmente ser um Z.

Alfa e ômega. Ressurgirmos do naufrágio que nós buscamos, para ajudarmos outros a serem salva-vidas.

José

José Luis dos Santos

Novos ventos te levam, os mesmos que te trouxeram, novo lar te espera, nova esperança te acalenta. Sonhos antigos viraram pó, aquele mesmo ao qual voltarás, que, por enquanto, sua mão não alcança. José?

Pessoas ficam, restam recordações, crônicas e momentos. Fidelidade e sofrimentos. Pessoas chegam, sobram sorrisos. Feição maldosa diante de quem pensa em chorar por dentro. Mas José não chora, José espera. Espera pode ter forma e a forma de uma lágrima é uma boa representação para quem pensa ser forte o suficiente por ser José. José é humano, buscando o Divino. Não há lágrimas no Divino, há rios. E agora mar?

Cantos gregorianos (mais uma vez) ficam somente na mente, quase redundante, mas verdadeiro, se é prá rimar, vão virar semente. Quem sabe uma árvore frondosa nasça do esforço por meditar, prá se realizar vale a pena sonhar. Rimas não combinam com José. José rima com fé. Cadê o acreditar?

Amanhã tudo será “de novo”. O novo tem cheiro de dia e o preço da vivência: da harmonia ou da rebeldia. Optar faz parte de um todo e todos fazem parte dessa opção. Um dia lhe disseram que você optou por servir, pobre missão. Tão simples, de esforço e peso igualmente tênues. Onde estão os músculos José?

As mesas não têm mais as cartas jogadas pelas nossas decisões constantes, sua vez passou e você nem percebeu que precisava matar o jogo, acabar com um pouco da poeira que tenta cobrir seu caminho. Uma vassoura pode ser hoje um objeto de limpeza, mas amanhã poderá ser o chão a ser limpo. Jogue as cartas, grite José! Ainda há tempo de ser pequeno gigante.

Finda o dia, malas desarrumadas (porque foram feitas?). Novo leito, novo bater no peito. Vai ser preciso muita ternura pra recomeçar. Achamos a palavra chave, José: (re)começar. Isso mesmo, tudo de novo. Novos amigos, novos rostos, novas lágrimas, novos clamores… Olhe à sua volta José, você não conhece ninguém e ninguém sabe de qual pó você surgiu. Poeira ardente emana de um povo sedento. Bom motivo pra alguém recomeçar, fazer diferente. Ser uma fonte. Dê-se a beber, José.

Água viva José, não sei onde suas gotas estão, onde quer que seja, o céu ainda continua sendo sua busca, seu refúgio e seu lugar.

A hora é agora José.

Corpo, alma e coração

José Luis dos Santos

Segunda-feira. Meu despertador com seu toque ridículo, como todo despertador que se preze, lembrou-me que a vida mansa acabara. Ao trabalho!

Variando o trajeto, passei em frente à Igreja Matriz, mas, nesse dia havia algo diferente: filas de carros, vários modelos e marcas. Por um instante imaginei que a missa das 19.30h do dia anterior não havia acabado até aquele momento. Se fosse isso, o celebrante merecia um prêmio por ter conseguido prender a atenção de tanta gente, por tanto tempo!

Era início da quaresma. Comecei a imaginar como estaria lá dentro. Alguns mais desavisados percebendo que agora há equipamentos multimídia instalados, para o bom andamento das celebrações. Os mais críticos percebendo uma poeirinha ali, um Santo diferente acolá… A Maria da Caneca toda cheia de alegria, afinal, alguns ali presentes ela não os via há um ano. Outros tri-desavisados percebendo que a Igreja fora totalmente reformada e ficando envergonhados quando informados que esse evento completara 20 anos. Algumas crianças, privadas da alegria de viver o céu na terra, com os olhos arregalados, achando maravilhoso aquele lugar. Conheceram tantos parques, casas, shoppings, mas seus pais nunca tiveram tempo para leva-las àquele mundo fantástico.

O padre tentando prender a atenção de quem avaliava se havia algum novo post nas redes sociais, no celular (isso é duro!). Por falar em celular, alguns toques devem ter sido ouvidos, vez ou outra. Foi nesse momento dos meus devaneios que me pus a pensar na figura do padre.

Acha que é fácil ser padre, né? Tem que ter paciência de Jó (que, diga-se de passagem, pouca teve), voz e impostação de apresentador de telejornal, postura de ator Global, saber dizer não com cara de sim, rir com quem chora e chorar de agonia com aqueles que insistem em acreditar que somente a confissão é o ticket de entrada para o céu (atitudes são, então as mude também), assim, os procuram 366 dias por ano para confessar-se (o dia excedente o dito cujo arruma um jeito de conseguir, pode ficar tranquilo), tem que tomar cuidado quando sai para tomar uma cerveja porque vai ser chamado de beberrão, beber ao menos um copo (mesmo que não queira), numa festa, senão será chamado de antissocial, falar a verdade medindo cada letra, autorizar a leitura das intenções repetidas, sabendo que não seria necessário: “pelas 13 almas, pelas 13 almas, pelas 13 almas…”, senão alguém vai achar que não foi atendida sua solicitação, ele estuda a vida inteira para poucos acreditarem nas suas colocações e, por fim, aguentar atitudes nefastas de alguns que só aparecem na quaresma em busca da salvação anual.

Quem bom que estes vão ao menos na quaresma, de fato é uma alegria recebe-los, mas o alimento é necessário todos os dias, o ano todo, senão não conseguimos sobreviver e manter o corpo.

Espiritualidade também é assim, a mesa do Pai fica posta, o lugar de cada um é cativo, almoça diariamente quem quer, Deus não coloca comida na boca, mas fica muito feliz quando almoça conosco, assim mantemos a alma e o coração repletos de saúde.

A lenha fica no fogão, as panelas estão sempre cheias, nosso prato e talheres postos… A quaresma é anual, mas o amor do Pai é diário. O querer é seu.

Hora de trabalhar. Trabalhar o corpo, a alma e o coração.

O coveiro e o poeta

José Luis dos Santos

Todos os dias o coveiro passava, vagarosamente, por aquela viela feia e fria. Descia pensando no dia a cumprir, poetizando cada pedra onde pisava, com sua simplicidade quase miraculosa.

Seu olhar calmo, distante e inseguro, fazia daquele homem parte inerente da viela que, a meu ver, deveria carregar com ela o peso do seu valoroso nome. Mas aquela viela, até hoje, não tem nome, não tem destino, quiçá tenha hoje uma saída.

Meninos, que postavam feeds no Facebook, trocavam de passeio para não cruzar com aquele homem que tinha obrigação de postar mortos nos túmulos, afinal, a vida não lhe dava um ganha-pão se alguém não se sacrificasse por ele. Nunca negou que tinha medo da frase bíblica “que a saúde se difunda sobre a terra”, mas seguia confiante na justiça Divina.

Ele, por sua vez, trocava de passeio para não cruzar com o poeta da cidade, pois tinha, bem no fundo dos seus desejos, uma vontade enorme de ser colecionador de versos próprios.

Todo poeta é alguém incomodado, insatisfeito e observador. Não passou despercebido o gesto do coveiro, que todos os dias, no mesmo horário, desviava seu olhar e seu rumo, intimidado pela ilustre presença de um homem das letras, afinal, ele mal conhecia aquelas que compunham seu nome, seus rabiscos. Para o poeta era tudo normal, acreditava ser uma obrigação do coveiro agir daquela forma.

Numa inevitável surpresa de Deus, que poetizou através das mãos de Miquéias, “mostrarei meus caminhos para neles andardes”, o poeta, cabisbaixo que estava, trombou com o coveiro, que desatento andava. Devaneios à parte, o coveiro pediu desculpas e mais desculpas ao ilustre imortal, membro da Academia Brasileira de Letras. Como simplicidade demais incomoda os mais desavisados arrogantes, o poeta simplesmente olhou-o e sequer teve a honra de dizer-lhe uma letra, nem precisava ser uma palavra…

O ilustre coveiro apenas abaixou a cabeça e deixou que sua vontade de ser poeta escurecesse dentro d’alma. Não valia a pena ser um poeta, falar da vida, acreditar nas letras, mas não ser digno de enxergar um espelho no outro.

Nada diferente na vida do coveiro, postava defuntos, deletava desejos, copiando, na sua mente, os versos e homenagens que era obrigado a ouvir. Choros angustiantes e de arrependimento (quem faz escândalo em velório, pode saber, está arrependido). Via tudo e guardava tudo no baú sagrado da sua pureza humana.

Lá vinha outro féretro, madeira de lei, vistoso e brilhante, carregado por pessoas bem vestidas, mais de trinta coroas de flores e milhares de lágrimas fingidas. Alguém pediu para que ele abrisse a tampa do féretro, pela última vez. Que surpresa! Era o poeta, deitado ali, olhos fechados, mudo, mas com o mesmo ar de arrogância, vestido a caráter. Não perdeu a pompa nem depois de morto.

Ao postar aquele que o desprezara, cheio de verdadeira compaixão, o coveiro, que um dia queria poetizar, pensou somente, mas deveria ter escrito: o que da vida se leva é o que em vida deixamos!

Somente uma coisa intrigava o coveiro: era ele, vivinho da Silva, enterrando os  sonhos de um “imortal”. Vai entender essa vida… Melhor mesmo, para ele, era entender e poetizar a morte.

Não poder e não fazer

José Luis dos Santos

Há algo para ser feito, mas há uma pedra amarrada aos meus pés, insistindo em manter-me em minhas amarras, que um dia criei e que hoje quero destruir.  Tragam-me uma marreta e uma bigorna, terei um prazeroso e calejante trabalho de esbofetear o peso que me atrai e que, na verdade, já se tornou o calo que me consola, o sangue que me lava.

Minh ’alma cheia de asas voou rumo ao meu interior porque, há muito,não lhe fazia uma visita. A casa está arrumada, mas falta café no bule, lenha na lareira, luz na penteadeira, óleo na lamparina e condições ao meu ego.  Visita de alma tem cheiro de café torrado com biscoito de polvinho frito, feitos na hora, mas que duram segundos. Engolimos rápido, temos medo de perder o sabor que se vai com a primeira brisa a nos tocar.

Corro para a varanda das minhas pálpebras, quero ver se o destino veio junto. Não. Ele estava ocupado demais com as desilusões das suas incertezas e em cumprir suas promessas mal resolvidas. Veio sozinha, mas trouxe um toque de mais, de tudo, de novidade. Tudo de novo.

Carreguei a mala das minhas vontades e depositei-a no quarto de hóspedes, onde sempre visito, retiro a poeira, mas nunca me deito na cama que há ali. Não é minha, não é real, é apenas um mimo aos outros que vêm de longe para ficar tão perto de mim. Chegam e vão. Continuei em pé, distante e sozinho, olhando aquele cobertor desarrumado! É sempre o que me resta.

Jamais imaginaria uma visita imprópria, em momento tão inoportuno. Quero ser elegante, desafiador e bom anfitrião, porém minhas palavras contradizem minhas expressões e minhas expressões parecem querer dizer alguma coisa. Aquela visita, lavada, pura e com ar de arrogância, leva-me a pensar que há muitas escadas que eu ainda não construí. A pedra que me amarra deve servir ao menos para isso.

O tempo passou na rua ao lado da minha janela, acenou com sua mão gigantesca, devastadora e cheia de dedos apontadores. Já era. Eu não, eu ainda sou, continuarei estando.

Ninguém me ensinou a conversar com o vazio, portanto, fiquei sem palavras, justamente quando meu íntimo dizia que me amava profundamente. Não quero amor voluntário, quero a mala arrumada, pronta para que eu parta a qualquer instante da minha vida cheia de tempos, de histórias e sempre iluminada por apagões.

Cansei dos reinícios, gosto dos recomeços. Presto-me ao dissabor dos escorregadores, para chegar desconfortavelmente ao chão. Apenas chegar basta-me. Apenas ser enriquece-me.

Há um tempo para tudo, então há um tempo para a visita que recebi. Ela não me trouxe nenhum aroma pessoal, nenhum perfume que marcasse sua presença, mas, confesso, trouxe-me sentimentos de que devo parar, eliminar algarismos, corrigir a gramática e conformar-me com o avesso das gotas.

Alma névoa e sem ação. Entre não poder e não fazer existe um abismo. Isso, abismo… Consola-me saber que terei onde depositar os cacos de pedra, que amarravam minhas ilusões, quando acabar a corda do relógio que orienta o tempo que já não percebo mais.

Tá tudo miúdo 

José Luis dos Santos

 

 Já percebeu que tudo anda encurtando? Da vergonha masculina à saia feminina. Nada escapa à miudeza.

O tempo, nem se fala. Esse está na mira de muitos: um dia te pego. Tenho uma teoria para a miudeza do tempo, ou estamos fazendo muita coisa ou fazemos pouco. Entendeu? Bom, não terei tempo para explicar.

A Missa é uma das vítimas. Os padres precisam ser comedidos nas suas homilias. O povo tem pressa. No final, resta a boa intenção: “Que o Senhor vos alcance!”, porque já tem gente abrindo a porta do carro nesse momento.

Por falar em padres, eles também sentem faltam de uma abundância do tempo: antigamente até visitavam famílias dos paroquianos com maior freqüência. Pe. Antônio Thamazia era mestre nesse quesito. Hoje custam a dar conta do inchaço dos ouvidos ao final do dia: processo inverso, os pecados aumentaram e, cá entre nós, devem ter ficado mais fétidos.

Os pais diminuíram o tempo para os filhos, trabalham muito para garantir o futuro dos gerados, já que esses vão ter o carinho de depositá-los num asilo, afinal não terão tempo para cuidar de outros, quanto mais dos seus pais.

Nas empresas a miudeza é enorme. Colegas conversam pelo MSN, sentados na mesma mesa. Falar toma tempo, melhor digitar, assim há economia de palavras. Quando chega o final do mês vem o momento perfeito para todos dizerem que o salário encurtou. Porque será que as contas nunca ficam miúdas? Ainda vão inventar uma calculadora que possibilite a todos um fechamento contábil/particular perfeito.

A balança também anda diminuindo (de tamanho). A gente já sobe nela suplicando e acreditando: “Deus já me perdoou pelo miúdo bacon de ontem!” Coitada, injustiçada, menosprezada e judiada. Rebaixada a eterna inimiga. Antigamente os números das balanças eram grandes porque a gente queimava mais calorias = menos peso de consciência. Não havia controles remotos, portões eletrônicos, carros à vontade, entregas em domicílio… Ela diminuiu de tamanho. O resto, bom, depende de cada um…

As roupas eram maiores também. As saias femininas iam até as canelas. Depois (com o aumento do preço dos panos) diminuíram, chegando até aos joelhos. Hoje, opssss, cadê?

A vergonha dos homens também era maior. Um fio de bigode valia a certeza do compromisso firmado. Acredito que tem homem que não saiba o que significa a palavra compromisso. Deve ser por isso que se usa pouco bigode ou barba nesses tempos, prá não correr o risco de voltarmos a uma época de seriedade.

Os casamentos também encurtaram, mas a largura das alianças aumenta a cada ano. A falta de verdade do ato matrimonial é proporcional ao aumento dessa largura.

Tanta coisa diminuiu e, que ironia, não me sobra muito espaço para escrever mais. Até gostaria, mas meus artigos foram restritos a 500 palavras, há algum tempo. Tenho tentado cumprir a ordem, mas há sempre muito que falar…

Tá duvidando? Conte as palavras agora então?

Já sei, não vai ser possível, né? Seu tempo tá miúdo demais.

Velhinho 360 graus 

José Luis dos Santos

Há exatos 12 meses não me encontrava com aquele velho de barba longa e branca, cabelos como neve, barriga tipo barril de Chopp, suspensório carregando as largas calças e um sorriso , por vezes, convincente. Bom de negócios. Criou um sistema de vendas em que, num único mês de trabalho no ano, ele consegue sobreviver outros 11 sem o menor problema, pelo menos é o que acho, porque a cada ano ele aparece mais gordinho, ou seja, fome não passa e ainda aumenta a folha de pagamento do seu negócio porque também aumenta, a cada ano, aqueles anões que andam de um lado para o outro. Aliás eu nunca vi nenhum deles trabalhando prá valer. Vão e vem…

As renas, eu ia me esquecendo, continuam bonitas. Dizem que têm nome, mas a gente só guarda aquilo que funciona como adubo para a alma. Sendo assim, nomes de renas não me interessam mais.

Ao vê-lo senti uma nostalgia, acredito ter sido causada pelo susto do tipo “é Natal de novo” do que pelas lembranças da infância. Um dia desejei ardentemente vê-lo. Hoje vejo nele um sujeito desajeitado, com uma roupa brega e calorenta para nosso clima tropical. Fica lá suando as bicas e tentando enganar a quem passa com seu “ho, ho, ho…” Há alguns bons 35 anos atrás ele já foi mais interessante aos meus olhos. Para o comércio ele continua o mesmo “bom velhinho” que traz um “bom lucrinho”, “enchendo de dinheiro a muitos bolsinhos”.

A vida nos leva a acreditar em coisas intangíveis e o capitalismo selvagem nos faz crer que o sistema financeiro é primordial. Tudo bem, precisamos mesmo do sistema financeiro. Mas hoje vejo paradoxos sem fim que conduzem nossa existência e, o pior, acreditamos, firmamos e damos fé que não ligamos para o lucro real. Eis o capitalismo. Até Fidel Castro já usa training da Nike… Para quem odeia americano, seria um recado para si mesmo?

De Fidel a Noel, fiquei ao longe, observando. Está aí uma qualidade que tenho e preciso reconhecê-la: sou bom observador.  Não consegui fazer uma análise psicológica, mas o gestual dele me chamou a atenção. Ele não parece gostar de crianças. Algumas mais chatas puxavam sua barba para ter certeza que era real, outras davam tapas no seu rosto e algumas puxavam seu gorro ridículo. Fora a choradeira… Enquanto o tilintar das moedas ecoavam no seu interior, o velho Noel sorria num tom amarelo,  aumentado o volume do seu pensamento, fazendo-nos ouvir: “Pestinhas!”

Tudo de novo, ano após ano. Cada dia com barba mais branca, cada ano vendendo mais. Morrer ele não morrerá de jeito nenhum, a criançada pode ficar tranquila, viverá muito e será eternamente “pegajoso”. A tendência é que tenha vida plena e infinita, gerando valores incalculáveis ao mundo dos negócios, ridículo e com pança de quem não toma aquelas denominadas 360 graus…

Nenhuma referência ao aniversariante Jesus foi proposital, porque pouquíssimas pessoas devem ter se lembrado Dele quando liam esse texto… É fato e damos fé!  “Ho, ho, ho! Feliz Natal!”

Depois nos autodenominamos Cristãos… É de chorar e não de rir.

Até padre vai pro céu 

José Luis dos Santos

Toda Semana Santa é a mesma coisa: o Padre Rufino, da Paróquia São Jerônimo, nos convida a “ressuscitar” com Jesus no domingo de Páscoa. Até entendo os motivos dele, ainda mesmo a obrigação de dizer isso, obrigação esta a que muitos padres se prestam, no dia-a-dia, afinal de contas a faculdade de Teologia não ensina ninguém a ser padre e não coloca eloqüência na boca de ninguém. Ser padre não precisa ser ensinado e palavras de sabedoria são conquistadas espiritualmente – tudo precisa partir do coração de cada um que assume essa missão. Isso é o que muitos padres precisam entender e alguns morrem sem saber.

Melhor mesmo é cuidar da minha costura. Pedaços de pano branco postos sobre minha máquina Singer, pedaladas cadenciadas, como se eu pedalasse lendo uma partitura – as conseqüências dessa falsa partitura da dor hoje estão expostas em forma de varizes, como se minhas pernas carregassem um troféu pelo meu esforço cotidiano.

Costura vai, costura vem. Linha colocada na agulha com muita dificuldade, fruto da miopia que avança. Pensamentos desordenados, quebra-cabeça que confunde minha mente. Em tudo coloco esforço, mas o esforço parece não surtir efeito quando me lembro das palavras do Pe. Rufino, que parecia ler o mesmo sermão da Semana Santa do ano passado: “Somente Jesus ressuscitando em nosso meio é muito pouco, embora seja tão significante. É preciso uma ressurreição em massa, todos juntos saindo do sepulcro caiado da falsidade, dos vícios, do pecado, da luxúria. Precisamos ser mais. Como a ressurreição é o marco do Cristianismo não acreditamos em um Senhor fraco e perdedor, mas em um Senhor vitorioso, sobre o qual nem a morte pôde mostrar seu poder!”

 Quem diria, o Pe. Rufino falando isso. Ele homem de tantas falsidades. Falam tudo dele, mas eu não falo, não quero correr o risco de cometer esse tipo de pecado. Claro, falar de padre é um pecado para mim, assim minha finada mãe me ensinou. Pensar algo sobre um padre ela não falou que era pecado, então eu fico só pensando e não comento.

Mas, pensando bem, esse Pe. Rufino está me fazendo raiva. É um desaforo falar para o povo ser isso ou aquilo e ele mesmo nada. Homem de pouca oração, de muita presença na boca miúda da cidade… Padre quando fica muito falado pela boca miúda, pode saber, tem alguma coisa errada.

Eu nunca tinha visto um padre que não gosta de rezar. Ele é o primeiro que conheço. Por isso que os padres não deviam ter deixado a batina preta, pelo menos alguns deles, em alguma coisa, se diferenciariam dos outros homens. E as bobagens que ele fala no sermão? Pensa que somos bobos. Deixa prá lá, vou à Missa é por causa de Jesus mesmo, senão eu já tinha mudado de religião. Outro dia o vi numa quermesse enchendo o peito de cachaça. Não tem problema padre beber, mas ficar tonto… Depois sobe no altar e manda a gente ressuscitar com Jesus, saindo dos nossos vícios. É brincadeira. Ele que cuide de não ficar caindo pelas quermesses primeiro.

O povo fala, eu não. Eu só penso, para não cometer pecado. Comadre Conceição falou que viu ele outro dia com jeito diferente pro lado da Justina, moça bonita da nossa paróquia. Acho que não, não é possível. Ele foi consagrado para o serviço de Deus. Ou será possível? Quando o povo fala… Pois é, depois fica mandando a gente ressuscitar. Ele é quem deve ressuscitar desses pensamentos!

Acho que já estou pecando porque aquela Missa de Páscoa me deu uma raiva danada. Todo mundo ficou olhando com ares de piedade para o Pe. Rufino, mas eu fiquei só pensando. Pensar não é pecado, então eu penso porque quero mesmo é ir pro céu. Para isso existe algo bem acalentador: outro dia eu fui numa aula de ‘Teologia da Misericórdia’ para leigos e o professor falou que “todo mundo vai pro céu”, basta querer.

Assim eu fico mais tranqüila, isso significa que até padre vai pro céu também. Dessa forma não me condeno, nem o condeno. Chega de pensar nisso tudo senão vou acabar perdendo minha fé que já não é grandes coisas.

É melhor eu continuar minha costura mais atenta, senão ainda vou acabar errando as medidas dessa túnica nova, que vou dar de presente pro Pe. Rufino.

Vida de Graças 

José Luis dos Santos

De tudo que eu já vivi, nada me incomoda, a não ser  minha incapacidade, quase redentora, de deixar para trás passos leves e levianos, fortalezas inconsistentes para minhas palavras que relutam em esconder-se, debaixo dos meus pés ou sobre meu olhar norteado,  ambos mensageiros, sem nada dizer.

Meus duros calos, conquistados com muito descanso em uma rede comprada por uma bagatela de preguiça, agora estão expostos à amargura contemplante de um povo que não sabe se me admira ou me repudia. Cada palavra que escrevo, cada gesto que ouso manifestar diz muito sobre mim e sou o que sou, isso enjoa, contraria e desmente. Suor demais para vozes de menos.

O óbvio já fez parte do meu dicionário de ilusões. Facilidades desejadas, ao mesmo tempo nutrindo o ócio e bendizendo o cansaço. Querendo o curto e almejando grandes quilometragens. Para quem não sabe ser o mesmo, todos os dias, Aurélio apenas riscou essa palavra do seu dicionário. Riscou a lápis, afinal de contas amanhã é outro dia e outra pessoa ainda usará esse mesmo livro: ele poderá ter uma borracha eficiente. Recomeçar sempre fez parte da minha história de borracha imprestável.

Embarco na lembrança de um sujeito desajeitado, sem coordenação dos seus pensamentos e cheio de bons sentimentos, querendo fazer das linhas datilografadas, numa Remington, as mais fortes correntes, na mais pura escravidão, guiado por um cadeado sem chave, fechado, enferrujado pelo tempo de senzala e sem a menor utilidade num ambiente de seres humanos. Humanos também se chicoteiam sem fazer o menor esforço, sem sentir a menor dor. Olhar o cadeado traz sensibilidade ao eu agressor.

Há graças na vida. Há vida na graça. Resta-me entender do que devo rir, porque eu só sei a quem devo louvar.

A vida pode ser uma ação de graças, ou um palco onde um ator mudo sussurra seu script, não querendo a presença de um ponto para lhe dizer aquilo que ele já sabe que terá que fazer. Ninguém vive aquilo que planta, a gente já nasce colhendo os frutos que a humanidade nos deixou, nosso papel é forrar a mesa e comemorar um dia de ação de graças pela vida conquistada. Tiramos o forro e chamamos aqueles que só têm fome, nada mais. O forro não lhes permite achar graça de uma vida cheia de desventuras, embora que eles ainda não tenham, de fato, vivido uma vida plena, abundante e cheia de graças.

Hoje insisto em caminhar na areia e carregar um pouco dela para dentro da sala, isso sempre foi um grande aprendizado, mas ele não é nada engraçado.

Resta-me aprender a viver a graça de ter os pés no chão e acordar a cada segundo de uma noite sem fim. Perto do autor da vida, muito além, bem longe de mim. Graças!

O caminho

José Luis dos Santos

É muito interessante avaliarmos cada ser humano. Cada ser é único, traz consigo o poder de lapidar-se e, de quebra, lapidar tudo à sua volta. Tudo pode ficar perfeitamente conjugado ou na mais confusa baderna. Cada um escolhe o caminho a seguir, com tempo e vida para averiguar sua opção, sem o direito de acusar o outro pelo lamaçal ou pela bela paisagem da trilha. Cada um é autor da sua história e escolhe o que haverá de ver, quando abrir as cortinas da sua alma.

Todo viajante “velho de estrada” sabe que, o mais prático numa bifurcação em estradas não asfaltadas, é optar pela estrada mais “batida”, mais usada. Ali passaram muitos meios de locomoção, sinal que o caminho se fará menos árduo ou incerto se por ele também optarmos. Erro primário é seguir a opção dos outros sem estarmos certos de que veremos belos campos. Arriscamos um encontro indesejado com a lama que suja nosso veículo cigano ao invés de inovarmos, procurando uma estrada que poderá nos dar a certeza de podermos pisar em chão firme, sem medo do piso escorregadio e imundo. Mas aquilo que não foi desbravado, num primeiro momento, gera dúvidas, interrogações, repúdio…

Cada ser humano tem um dia de Cabral em sua vida. Desbravar, certo que vai chegar, mas sem enxergar o Monte Paschoal, sem saber quando terá um dia 22 de abril de 1500 para contar aos seus netos. As incertezas são palpáveis, desde que saibamos aquilo que queremos e partilhemos com outros os louros, de valor incalculável, da nossa luta salutar, com visão macro do coração de todos que nos rodeiam. Lama e coração são incompatíveis, assim como se casam em plena harmonia um “por que” seguido de um ponto de interrogação. Será? Não é possível ter certeza desse sim a plenos pulmões.

De tudo que já foi dito, com a mais injusta intenção de confundir a quem quer que seja o leitor, há uma exaustiva certeza: a estrada menos usada poderá sim levar-nos ao mais belo horizonte. Criar, corrigir, buscar, integrar, refazer, tentar… Nada disso rima com mesmice e cria profundo elo com poeira, de terra menos batida, de estrada que intimida. Tem um Monte Paschoal esperando por você. Quem realmente quiser, verá!

Sóbrio e Sombrio

José Luis dos Santos
Queria rir de mim mesmo, sem ouvir minha risada escandalosa. Queria ouvir a vida subindo uma escada que me desse acesso ao inimaginável. Jogar a toalha no chão e pedir ao juiz que acabasse com a luta, humildemente derrotado por meus descuidos. Ceder às pressões, algemar minhas emoções e calar minha mudez incontida. Dizer o que sou e amar o que gostaria de ser. Eu queria, de repente, nada mais que “ser”.

Queria amar o sujo, detestar o luxo, embriagar-me com a água que cai da cachoeira dos meus erros, enxugar minhas lágrimas debaixo dela, com um lenço que mal coubesse na palma da minha mão. Lançar-me no abismo, abrir minhas asas e voar rumo ao horizonte, perdido, agonizante, sorridente, amante…

Queria conter minhas vontades, num breve instante de sobriedade, embriagado pela sensatez de amar quem não deve ser amado. Ver-me um com todos e ser o louco que nunca acham que sou ou já fui. Queria correr, suar, ganhar músculos, até chegar a um ponto de não querer mais olhar-me no espelho.

Queria ajudar a todos que me pedem um jornal para juntar dinheiro e, assim, comprar um bolo de aniversário, pipocas para estourar, arroz para matar a fome, guaraná para perder o gás, queria, talvez, sentir-me capaz. Subir numa motocicleta, sentir o vento me beijando, louco pela ironia de ser um amante que não pode amar. Entrar em ruas sem saída e não ter um GPS para me ajudar.

Queria ouvir um bem-te-vi, em pleno centro de uma grande cidade, ser um cachorro vira-latas debaixo da calçada de um Fórum de Justiça. Queria ser negro, branco, mameluco, mestiço… Queria ser tudo e perceber, ao final, que pouco sou.

Queria voltar atrás e não fazer nada daquilo que não fiz. Se não fiz, havia um motivo para isso, que fosse minha ignorância, minha má vontade ou meu desprazer. Queria andar sem saber aonde ir, queria encontrar alguém por aí, mesmo que esse alguém fosse eu mesmo, voltando de um momento de sombras e dúvidas, vivido na minha mais pura intimidade.

Queria jurar aquilo que é difícil de cumprir, pedir sem vergonha da negação, julgar o rico, ao invés do pobre, ser mais eu do que qualquer outra pessoa que me ame. Vestir-me normalmente, sem critérios, grife, orgulho ou opiniões de gente que nem conheço, com corpos maravilhosos, dizendo, sem nada dizer e sem me conhecer, que aquela marca é a melhor que eu poderia escolher. A beleza serve mesmo para ser contemplada, e não para ajudar a pensar e “quase” ponto final.

Queria amar sem limites, pegar o primeiro voo e ir para Angola, missionar minha incerteza de que gosto daqueles que de mim precisam, sem ter nojo das suas histórias. Queria sê-los por alguns segundos apenas, porque eu não seria humano o suficiente para vestir-me, com toda honra, as suas humildes vestes.

Queria acordar amanhã e saber que nem só de flechas vivem os índios e nem só de dó vivem os humanos mais abastados. Queria olhar o vínculo que existe entre mim e o desespero e ter a menor noção de que eu posso fazer algo por quem não pode fazer nada por mim.

Queria ser eu, sempre… mais missionário, pouco sóbrio e menos sombrio.

Adoro lamparina

José Luis dos Santos

A luz dançante da lamparina sempre me chamou a atenção. Ela não tem nenhum compromisso com a beleza, com a limpeza ou com a certeza. Ela está ali para servir simplesmente. Ache feia ou bonita, que exala bom ou mal odor, uma coisa é certa e tenho que revelar, lá em casa, quando a noite chegava ela era o máximo!

Remete-me a um passado (não tão distante…), quando a usávamos. Fim de tarde, nós crianças, brincando no chão de tijolo à vista, algumas das minhas irmãs saindo para estudar, meu pai chegando do serviço, numa bicicleta verde, Monark “Série Ouro” – em homenagem à Copa de 1970, minha mãe na sua inseparável máquina de costura Singer, cadenciando com os pés nossa vida simples, mas cheia de honestidade e oração.

A lamparina era essencial nesse todo. Ficava às escondidas durante o dia, mas, à noite chegava sua hora de glória: ela passava a ser o astro-rei da nossa casa! Como ela nunca foi egoísta, em um lugar onde pudesse ajudar a todos, ela ficava ali, bailando sua luz e exalando seu cheiro característico. Parecia feliz, mesmo quando as coisas não iam tão bem assim.

Por vezes eu tinha a impressão que a lamparina tinha cursado Psicologia, coisa rara na época. Ela insinuava entender os momentos de tensão que, por vezes, pairava no ar. Sua luz tênue tornava-se mais forte, iluminava mais, jorrava mais claridade sobre trevas. Momentos passageiros, pobre dela, podia mostrar-nos pouco sobre sua formação Lux-Freudiana. Coisa de criança talvez, mas gestos eficientes e suficientes dela, com certeza. Um simples soprar encerrava sua ilustre apresentação.

Volta e meia o Pe. Antônio Thamazia aparecia por lá. Tomava um gole de café feito com coador de pano, numa xícara esmaltada,  conversava com aquele sotaque carregado de quem já morou no sul do país. Encostava-se a um fogão à lenha para comer uma quitanda caseira ou alguma comprada, às pressas, na “Barraquinha do Lino”. Ele gostava de fazer surpresas. O dinheiro ficava guardado na gavetinha da Singer. Essa função era minha: buscar a quitanda para o Padre que um dia eu vislumbrava ser também. A lamparina só ouvia as sábias palavras do Padre Dehoniano, na simplicidade.

Pe. Antônio visitava-nos para levar esperança e voltava para a casa paroquial renovado dela também: os simples ensinam mais do que aprendem. Acho que não tinha fome quando por lá chegava. O pão da simplicidade sacia muito. Ouso dizer que ele traz um pouco de lamparina consigo.

Revigorados pela esperança, era hora de colher a couve na horta, picar alguns tomates, fazer arroz, feijão, ouvir a reclamação dos porcos no terreiro, as galinhas anunciando que iriam dormir com uma chuva tremenda (recheada de trovões e raios) caindo lá fora, prenúncio de algumas goteiras dentro de casa… Momento da única chateação da lamparina, eu imagino: as velas para Santa Bárbara! “Porque eu não posso interceder também?”, acredito que pensava ela. “Mas, tudo bem, Santa Bárbara merece uma matriz de luz bem bonita”, consolava-se.

Lá ficava ela, bailando, ouvindo, sendo fonte de luz e claridade no mar negro que só a noite consegue nos imergir.

A lamparina tem um coração como o Coração de Jesus, que jorra vida… Nossa lamparina tinha coração, pena que não era como o de Cristo que é eterno. O dela já nem fumega mais.

Ressurgindo

José Luis dos Santos

Na lápide a frase remete a um bom consolo: “Viver no infinito é o início de uma busca pela eterna saudade”.

A frieza da pedra demonstra a fervura de uma realidade sombria, que não consegue passar despercebida às mentes mais sábias e aos corações mais intensos. A vida é um passar, nada além, tudo muito aquém. Tiramos pedras, transportamos sonhos, postergamos vontades: vivemos sabendo que um dia iremos. Prá onde? Não importa. O que importa é que Jesus Cristo já marcou todos os gols e estamos jogando para nos divertir. Vitória garantida, troféu nas mãos, certos do que deveríamos ter vivido.

Se o placar já marca a nosso favor, é hora de conjugar. Conjugar verbos é o oxigênio vivencial: sorrir, amar, andar, cantar, ajudar, ser… A lista é grande, os erros e acertos também. Bolas na trave, sem fim. Afinal, quem de nós, durante toda a vida, conjugou verbos corretamente, o tempo todo? Quem nunca bateu um pênalti para fora? Viva a possibilidade do erro! Viva os corretores ortográficos! Viva a trave que só tem pouco de mais de 7 metros!

Bola fora, friamente jogada para fora. Vergonha intensa, morte súbita. Tentei, mas não consegui levantar sozinho a pedra que se sobrepôs ao meu corpo inerte. Existem momentos em que não adianta nada horas de academia. Músculos da alma são mais eficientes que os lá criados e multiplicados.

As contagens dos exercícios servem de ponto de partida para zerar o cronômetro, cortando energias, somando dúvidas. Essencial mesmo é a luz que retira toda possibilidade de sombras. Subam nos postes, homens da luz. Devolvam aquilo que nunca deveria nos ter faltado: brilho!

Choros lamuriantes entram lucidamente em meus ouvidos, embora distantes da realidade mundana e muito perto da ilusão conjugal entre o querer e o poder. Queria viver, mas preferi partir.

O ângulo celeste é privilegiado, existem arquibancadas, tipo uma ala vip, para celebridades. Quem mora no alto é uma espécie de convidado especial, fez por merecer (ou não) Mas que tem os mesmos direitos, isso tem. Nenhum pai tem preferência por um filho. O Pai dos pais, não pode ter também. Filho é filho e todos têm cadeira cativa, com o mesmo e melhor ângulo.

Não existe a menor possibilidade de sermos melhores depois de termos ido. Fomos. Sendo assim, temos de ser bons agora. Ainda há tempo, ainda há espaço, ainda há quem precise. Ninguém é tão pequeno que nada tenha a oferecer para outro crescer. Que seja um tijolo: o outro vai subir e, ao menos, ficar à sua altura.

Aqui de cima, as letras da tal lápide, brilham mais. Deve ser para o Criador enxergar o que se escreve lá embaixo. Passamos toda uma vida e depois a resumimos numa única frase. Pior é que tem gente que é chamada “excelência”, anos a fio, e depois não encontram uma única palavra para defini-lo. Lápide muda.

O que nos resta é ressuscitar. Sair da pedra fria e ser. Sair do ser e amar. Fazer o amor crescer e aquecer. Por lenha no fogo, gerar calor. Ressuscitar quem precisa deixar de morrer a cada dia. A cada minuto. Quem sabe assim tenhamos palavras melhores para que outros nos definam quando partirmos. Partida sem termos efetivamente ido.

Eu de Ciren(eu)

José Luis dos Santos
(Fiquei muito feliz ao ver uma cópia desse texto meu, debaixo de um plástico, que protegia o forro da mesa do refeitório dos Padres e Diretores do Seminário de Lavras. A eles meu abraço e estima. Oportuno para esse período litúrgico.)
Andando pela maior avenida da minha cidade, eu queria, naquele momento, sombra e água fresca. Nada mal o desejo, para um calor infernal que chegou a 34 graus. Entre um vagaroso passo e outro, vi algo que me chamou a atenção: uma multidão aglomerada no centro da praça principal. Num impulso, me vi lá no meio.Um homem era preso. Alguns diziam que ele havia roubado, outros diziam que era um homem muito bom, outros diziam que ele era ruim para ele mesmo ou que um sujeito daquele não poderia ficar à solta por aí, outros ainda ousavam jogar desaforos no rosto daquele homem, que, sinceramente, em nada lembrava um sujeito fora-da-lei.O fato é que aquele homem tornara, em questão de segundos, um lugar pacato em referência e notícia. A notícia nos moldes “rádio peão” corre fácil e logo a cidade toda sabia quem era aquele homem, o que fizera de bom na vida, quem eram seus pais, seus parentes, seus amigos, o que fizera de bem a outros e tudo o que diziam que ele havia feito de ruim também. Se tudo aquilo era verdade, vai saber… O homem estava lá, maltrapilho, sendo massacrado pelos olhares altivos da multidão, agora em posição maioral, cheia de justiça, diante daquele que parecia um verme.O coitado sequer conseguia levantar seus olhos, não percebi se por vergonha ou humildade mesmo. Ele não falava nada. Sofria calado e sozinho. Parecia não ter ninguém para defendê-lo e seus direitos pareciam nem existir, derretidos no calor daquelas pedras que consumia a sola dos seus pés. Ele não ameaçava, ele não olhava, ele não chorava. Por incrível que pareça, percebi que ele ainda mantinha uma feição dócil. “Ele ainda é um homem”, concluí com lágrimas nos olhos.O anônimo foi jogado no camburão da PM, com a mesma sensibilidade que se joga um animal para dentro de um matadouro. O sangue logo brotou de sua testa, fazendo um desenho do tipo rios que se entrecruzam, culminando no mar escuro da sua barba por fazer, por falta de um aparelho de barbear ou por causa da busca de uma identidade revolucionária, revolução essa que parecia chegar ao ápice daquilo que, a meu ver, pouco significara.De repente, fui tomado pelo braço e, num movimento brusco, um policial me jogou junto, no camburão, dizendo (ou gritando?): “Vai com ele. Ajuda-o”. Eu, angustiado, inventei mil desculpas para não ir, do tipo tenho que ir ao mercado, para o trabalho, mas nada colava porque os meus trajes não eram de alguém muito compromissado e já era final de tarde (as objeções e evasivas já marcaram minha vida).

A porta traseira do camburão fechou-se e a porta da minha vida egoísta também: era eu e aquele anônimo, de repente, lutando contra todos, por uma causa até então desconhecida para mim. Fiz-me um com ele, certo de que (quem diria) aquele camburão era o lugar que sempre busquei.

Fui e não voltei mais. Aquele homem, segundo a (in)justiça vigente, foi condenado e por lá mesmo morreu. Novo, sereno e cheio de histórias para contar. Histórias era o que não faltava ao seu repertório: de vida, de amor, de esperança, de caridade, de lírios, de pássaros… de D(eu)s. Ele se foi, mas ainda posso senti-lo a cada passo (in)certo que dou. Ainda vou (re)encontrá-lo… Vivo e (re)vivo essa minha única certeza.

Nunca deixei meu tempo de ajuda, do tipo “entra aí no camburão”, àquele homem, até hoje. O nome dele, agora, é mundialmente conhecido, com todo mérito. O meu ainda é (in)certo.

O certo mesmo é que prefiro que me chamem por “EU”, de Cirin(EU).

Novíssimo Testamento

Legendar a conversa dos pássaros ao amanhecer,
esticar o arame do violino,
restaurar o som dos peixes com o veludo dos pés,
acolher o elogio dos defeitos,
prender em gaiolas os livros de leitura avoada,
trocar mensalmente a terra do rosto,
agradecer a quem te cumprimenta por engano,
empregar as ervas como escolta das flores,
desaparecer na visibilidade,
interromper a sesta do vento,
repor as telhas do fogo,
esperar o porão subir com os frutos,
conhecer-te na medida em que me ignoro,
repetir os erros para decorar os caminhos,
ressuscitar a brasa das cinzas,
saber uma chama de ouvido,
afiar a faca na compra para que seja leal na despedida,
levantar atrasado, com a solidão ao lado,
distanciar o desespero e alegrá-lo com a saudade,
reverenciar o muro que nos permite imaginar uma vida diferente da nossa,
escolher as melhores maçãs pelo assédio dos insetos,
assobiar estrelas entre os telhados,
partir os cabides ao arrumar as malas,
pensar baixo para não ser escutado,
avisar das falhas na calçada,
seguir quem está perdido,
gritar nos ouvidos da claridade até surgir relâmpagos,
estreitar as vigas da face com a rede do riso,
tragar o vapor do inverno na véspera de ser vidro,
ter a infância assistida pelas parreiras,
ser a primeira roupa do teu dia,
nascer póstumo,
identificar o corredor do hospital nos arbustos podados,
correr na contramão do rio,
desafiar as cigarras, desafinando mais alto,
transpor a aparência do inferno,
converter o ódio em curiosidade do amor,
acelerar o passo para a névoa não encurtar o dia,
arrancar do fruto o que voava do coração parado da ave,
revezar com o pessegueiro a guarda da porta,
jejuar para doar o sangue,
enredar teus joelhos como forquilhas da fogueira,
enervar a vela com um lance de olhos,
cobrir com jornais a pedra fria,
buscar um confidente fora da consciência,
barbear a insônia com a lâmina dos seios,
descobrir o irmão mais velho no silêncio do caçula,
obedecer a intuição das dúvidas,
abandonar teu corpo antes da luz depor o peso,
morar no clarão exilado,
respeitar o mar quando está rezando,
curvar-se no violão como uma violeta cansada,
compensar a forte dose da fala com os gestos,
imitar a elegância de objetos esquecidos,
espantar o pó com a lâmpada dos dedos,
desfrutar do feriado das tranças,
deixar a música se inventar sozinha,
desperdiçar o fôlego fingindo trabalhar,
ouvir o sol de noite,
segurar no braço da cerração para atravessar a rua,
procurar minha voz em outros autores,
retribuir o aceno das sobrancelhas,
presenciar da janela a palestra da chuva,
espreguiçar a camisa dormida de espuma,
eleger tristezas para concorrer com as tuas,
puxar a cadeira na saída
(e observar tuas pernas roçando a toalha da mesa),
engolir de volta as palavras que te agrediram,
cortar a artéria de um beco e sangrar a saída,
medir a altura do poço com uma moeda,
entender que meus livros são parecidos comigo
(demoram a fazer amigos),
verificar o pulso da madeira,
desconfiar das superstições confiando nelas,
achar no pesadelo um quarto para dormir,
conservar a imagem da casa quando criança,
arder como um musgo na soleira da porta,
descer o fecho do vestido e vestir o quarto,
caminhar com a sandália de teus lábios,
ajustar o cavalo na cintura da estrada,
rebobinar o pulmão com a asma,
morrer tentando não morrer,
golpear o tambor com a força dos pés,
compreender sem concordar,
combinar encontros e desencontrar-se consigo no meio do trajeto,
desistir de compor o diário porque não existe segredo quando escrito,
anotar na agenda as reuniões que não quero ir,
apiedar-se da vocação fúnebre do guarda-chuva,
falir na memória preservando a imaginação,
acautelar-se das paredes velhas, o cimento armado,
carregar o sobretudo como uma garrafa vazia,
comemorar o que desconhecemos um do outro.

Fabrício Carpinejar
[do livro “Biografia de uma árvore” (Escrituras, 2ª edição, 2002)]

Gente que só aparece na quaresma

José Luis dos Santos

 

Conversa entre um cristão comprometido e um “cristão periódico”, após a celebração de uma Missa na quaresma:

– Olá, quanto tempo! Para ser mais preciso há quase um ano não nos vemos!

– Pois é! É quaresma, né? Penitência, pagar pecados, sabe como é…

– É assim então? Peca-se o ano inteiro e na quaresma “assiste-se” Missas para garantir um ticket de entrada para o céu? Não sabia que a Igreja virou bilheteria…

– A gente é humano, né?

– Como diria o Pe. Fábio: “humano demais”. Você não acha que ta na hora de criar vergonha e passar a ser um cristão de fato?

– Ei, peraí… Não precisa ofender?

– Não acho que estou ofendendo. Apenas estou sendo uma espécie de, digamos, “voz de Deus”. Afinal você tem ofendido Deus com esse tipo de atitude, ano após ano, e Ele nem te cobra pela ofensa!

– Você ficou chato demais, bacana! Esse lance de você vir na Igreja direto ta te fazendo mal pra caramba! Relaxa!

– Não posso relaxar porque tem muita gente relaxada dentro da Igreja, aliás é o que mais tem: cristão que acha que é cristão e é apenas mais um dizendo ser cristão.

– Meu Deus… O cara virou rato de sacristia mesmo… Ta ficando louco de vez. Jesus foi totalmente liberal: perdoou prostitutas, comeu com pecadores e você fica nessa de moralismo religioso!

– Nada disso. Jesus foi “compreensivo” e “misericordioso”. O fato de Jesus ter agido assim não significa que Ele não tenha sido radical. Viveu a radicalidade do amor ao Reino. Lembre-se da famosa frase: “Aquele que quiser Me seguir, deixe tudo e não olhe para trás”. Deixar tudo significa radicalidade, entrega, ser cristão de verdade. O cristianismo não se faz de períodos do ano: procissão de São Vicente Férrer, “receber cinzas para tentar apagar o fogo” que viveu no carnaval, procissão da Semana Santa, vir à casa de Deus somente na quaresma, visitar o Senhor quando está prestes a tirar uma nota vermelha de todo tamanho na escola ou na eminência de uma recuperação no final do ano… Aí não. Você já foi um cristão tão engajado e agora fica nessa de mediocridade cristã! Você não!!

– Isso é fato… Nisso você tem razão. A gente vai se “acostumando” em ser cristão e não a “viver nosso cristianismo”. Corremos assim o risco de diminuirmos perante nós mesmos, porque perante Deus seremos sempre grandes filhos.

– Olha, é ótimo que você e tantos outros venham participar da Missa na Quaresma, mas isso não isenta ninguém de ser compromissado durante todo o ano. A quaresma é um período para conversão e, diga-se de passagem, um período muito rico para a Igreja. O que a Igreja quer é compromisso com o Reino e não gente de passagem pela terra. Só prá gente ir embora: vou lembrá-lo que, o quanto eu sei, o Reino de Deus se faz a cada minuto e também tem Missa o ano todo, todos os dias, ta?

(Risos e abraços) 

Meleca

José Luis dos Santos

Na minha cidade, quase todos gostam da Meleca. A galera acha uma beleza vê-la escorrer, na alegria dos rostos das pessoas nas ruas carnavalescas, envolvidas pelo sabor do seu diferencial. Os mais entusiastas dizem que jamais vão conseguir inventar algo tão especial quanto a Meleca.

Conheci a Meleca há pouco tempo. É uma Escola de Samba Fantástica! O nome foi dado por João do Tamborim, em 1984, ano da sua fundação. Meleca significa “Me leva carnaval”, popularmente conhecida como “Unidos da Meleca”, com centenas de participantes. A maioria comportados e educados, não se preocupe.

Sem recursos financeiros, até hoje, a Meleca sobrevive de doações, sejam financeiras, sejam de ideias. Foi exatamente nesse ponto que encontrei o João do Tamborim.

Com um “sorriso faltoso” (tem poucos dentes), ele me procurou e, sorridente, me pediu gentilmente: “O senhor pode falar comigo?”. “Claro que posso. A propósito, quem é mesmo o senhor?” “Sou o João do Tamborim, todo mundo me conhece, uai!” “Me desculpe seu João, eu não o conhecia, mas é um prazer conhecê-lo”. O velho senhor não se contentou e fuzilou: “Esse povo de hoje não sabe nada de curtura… Sou o João da Meleca, ”.

Fiquei assustado, afinal eu ainda não conhecia a Meleca. O que deveria ser isso, além daquilo que já sei? “Mas então, seu João, em que posso ajudá-lo?” “Bão, o senhor é uma pessoa conhecida do Pe. Dehon. Arguém me falou umas palavras dele e eu gostei. Então eu pensei que o senhor podia me falar mais sobre esse tal padre pru mode nóis da Meleca fazer uma homenagem a ele nesse carnaval também”

Meu Deus! Pe. Dehon numa Escola de Samba! Tá certo que ele falou que os padres deveriam “sair das sacristias” e “ir ao povo”, ou, ainda, que “um homem que quer mudar uma sociedade não pode ter ideias tímidas”, mas daí a gritar no carnaval: “Olha o Pe. Dehon aí, gente!!!!”, já é demais.

“Seu João, o senhor não acha que está exagerando em falar do Pe. Dehon na sua Meleca? Está totalmente fora de contexto!” “Fora de quê?” Vi que precisava ser mais objetivo. “Seu João, parece-me uma falta de respeito, falar sobre Pe. Dehon no meio de uma festa tão banal que é o carnaval”. “Meu fio, o senhor, num ta entendendo: nosso povo anda bem vestido, sem peladança, a gente usa esse momento prá mostrar que tudo pode ser diferente. A Meleca é séria!”

Depois de muito papo, seu João me convenceu. Fique feliz em ajudar a Meleca e mais feliz ainda ao ver a frase que era trazida alegremente, pelas ruas da cidade, por jovens bem vestidas, alegres pela vida e não pela banalidade que eu conhecia do carnaval. A frase era tocante: “Não basta fazer bem aquilo que fazemos, é preciso fazê-lo com amor”. Junto, vários componentes, encenavam ajuda ao próximo.

Todas as outras comportadas escolas participantes traziam mensagens de paz, amor e, claro, alegria pela vida, que é o que o carnaval quer significar.

Acho que Pe. Dehon gostou!

Meleca neles!

Deus e a miopia

José Luis dos Santos

Noutro dia, muito mal humorado, eu estava saindo de uma ótica quando ouvi um sugestivo comentário de uma amiga: “Ué? Vai trocar os óculos agora?” “Por quê?”, devolvi a indagação. “Você está saindo de uma ótica…” Sem comentários, sem palavras. Que conclusão mais profunda. Isso significa que tivéssemos nos encontrado na entrada de um Cemitério eu estaria ressuscitando! Ou quem sabe na porta de uma lotérica, eu teria ganhado sozinho a Mega Sena… Cada um no seu quadrado.

Dois passos adiante, nada mais que isso, ouvi outro comentário: “Detestei um artigo seu que li no seu blog. Você não podia ter escrito daquela forma, blá, blá, blá…” Meu Deus, não era o meu dia. Parece que eu peguei o computador, acessei a internet e digitei o endereço do meu blog para ele ler aquele maldito artigo. Educadamente menti dizendo que estava com muita pressa. Pressa de não ouvir os comentários ilógicos dele.

A vida tinha que continuar, com medo, atravessei a rua, olhando bem para não ser pego de surpresa, já que a maré não estava prá peixe. Veio vindo em minha direção uma senhora, com um coque muito bem feito, toda arrumada. Era dia 5, então, havia duas opções: ou ia à Missa de São Vicente ás 12h ou receber a aposentadoria. De repente, um corre-corre. Roubaram a bolsa da velhinha. Ela olha para um lado, para outro e nada… Levaram a bolsa dela e me levaram para a Delegacia como testemunha ocular do crime. Será que existe possibilidade de alguns dias terminarem antes da meia-noite? Cada um com seu relógio.

Com toda boa vontade do mundo, comum em vários órgãos públicos, os agentes gastaram nada menos que 3 horas para nos liberarem. A velhinha? Coitada. Perdeu a bolsa, o dinheiro e a Missa de São Vicente. Até hoje nada. Ela prometeu gostar mais de Santo Expedito e São Longuinho. Difícil será ela dar os três pulinhos! Cada um com sua fé.

Prá quem não almoçou, um cafezinho ajuda. Fui com tanta sede ao copo que não deu noutra, quase fiquei sem língua, até parecia ter sido feito com água quente! Como doía minha língua! Nem quis comer nada, era perigoso demais naquela altura dos acontecimentos. Cada um com sua lerdeza.

Cheguei em casa, finalmente. Fui tomar um banho, bem devagar, prá raiva passar e ir pro ralo junto com toda aquela espuma. Nada deu certo naquele dia. Tudo poderia dar errado naquele momento também. Terminado o banho, sem incidentes, pus meus óculos, abri a Bíblia e li: “E Deus viu que tudo era muito bom!”

Olha só… Eu aqui cuidando de poucas coisas, chorando mágoas o dia todo, nervoso com pouco motivo para tal… E Deus achando tudo muito bom. Ele com tanta coisa prá fazer, ainda achando tudo muito bom. A opção de Deus sempre foi pela liberdade e isso nos conduz à vida verdadeira: tudo passa a ser muito bom!

Quando amamos com amor ágape, vemos tudo numa outra ótica. Como eu não pude enxergar isso hoje? Xiiii… Voltei na origem dessa história… Falei novamente em ótica.

Cada um com sua miopia.

Uma colcha de retalhos

José Luis dos Santos

Dia 08/12 ajudei a celebrar um culto ecumênico na Universidade de Itaúna (MG). Conheci o Pastor Rômulo e isso me deixou muito feliz: culto, estudioso, orante… Refleti muito sobre aquele momento.

As pessoas? Acham graça, acham ruim e muitas acham bom. Bobagem, o cristianismo é um só. Não há divisão. O problema está na colcha de retalhos que nós temos que costurar, pano a pano, cor a cor, combinação a combinação.

Um Deus que é puro amor nos concede uma liberdade que, para alguns, mais se faz escravidão: nós em função de nós mesmos, poucas vezes conscientes de que estamos aqui em função dos outros. Tornamos-nos escravos costurando a tal colcha de retalhos? O vermelho não combina com o verde e a tonalidade daquele minúsculo retalho foge ao objetivo do conjunto final. A colcha vai sendo feita, a qualquer preço, mas vai realizando o que antes era somente projeto.

A vida que nos foi oferecida como o mais fino manjar, de repente, é uma comida de difícil digestão. Não basta ser cristão para tornar a vida mais saborosa, é preciso saber colocar cada pedaço de pano no lugar certo. Encontrar as costuras que não se encontram, entender por que é uma falta de consideração com o pedaço de seda estar ao lado de um simples algodão. Com muito custo a colcha se abraça, se torna, se faz.

Há reflexos de uma realidade, de entrega ao Paraíso, construído e destruído. Construído pela imaginação humana e destruído pela ambição, dessa vez muito mais humana. Partes que partem e janelas que se fecham abrindo-se. Vidas que se aquecem e sonhos que se ouvem. Pedaço a pedaço, nossa vida de retalhos acontece nos panos de uma alfaiataria.

Choros e risos se cumprimentam e nos sentimos no ardor da juventude, morrendo, sem saber, na ignorância da vaidade. Cada cabelo que cai, cada fio branco que sai, cada cansaço que nos atrai respiram uma colcha inacabada. O giro do mundo é mais rápido quando recortamos e costuramos. Da esquerda para direita é bem melhor, produz mais vida, afeto, verdade. As cores se encontram, o que era obscuro parece perder a timidez, canhão de luz na colcha artista.

A última costura é traçada, o último minuto é recortado. Colocamos os pedaços de pano que queríamos, da forma que almejávamos e tortos conforme nossa miopia. Estendida sobre a cama, agora, parece uma colcha acabada, mas, lá em cima, no último pedacinho do lado direito, perto daquele azul com um pedaço de asa de borboleta estampado, viu? Tem uma listra azul quase insignificante, viu agora? Pois é, a colcha não ficou bonita porque ela está lá, para mim, no lugar errado.

O Senhor Alfaiate a tudo assiste, cauteloso, temeroso, mas muito feliz.

Tolerância zero

José Luis dos Santos

 

 

Tempo de reflexão. Elegi e publiquei o Top 10 da nossa Igreja num jornal de circulação estadual.

Só um instante, por favor, tocou meu celular. “Pronto. Oi, tudo bem? Não há de quê! Sem problemas, depois você me paga uma pizza… Ha, ha, ha… É pouco? Ok, pode ser acompanhada então… Gosto da redonda… ha, ha, ha … Abraço… A gente se encontra!”. Desculpem-me, era mais um padre agradecendo essa iniciativa. Acho que ele só ficou sabendo e não leu ainda, porque sobrou para ele também.

Vamos nessa. Em ordem decrescente. Uma tentativa para que nada disso ocorra mais (Deus é fiel! Fé sempre!).

10º. Lugar: Padre sem educação
Tantos anos de estudo para depois não saber nem conversar com os paroquianos? Tem paroquiano chato, mas tem cada padre mal humorado também que Deus nos livre! Vamos combinar: todo mundo tem seu dia de avesso, mas todo dia virado é difícil!

9º. Lugar: Pastoral do Laço
Está firme. Não muda. Laça na hora da celebração um leitor, que, a partir desse momento, passa a ser o melhor leitor da cidade. Vou sugerir um slogan para ela: “Muito são chamados, mas alguns são laçados”. Ainda tem mais, não têm lido meus artigos porque me laçaram há poucos dias…

8º. Lugar: Gente confessando todo dia
Ouvido de padre não é vaso sanitário para receber todo dia a mesma coisa! Deus é Pai ou é boneco? A sua fé te salva ou te condena?

7º. Lugar: Turma da Quaresma
Chega de ir à Missa todo dia da quaresma e sumir o resto do ano. As cinzas não são um ticket de entrada para o céu.

6º. Lugar: Beijadores de altares
Tem gente que beija todos os altares e passa de frente ao SSMO exposto e nem dá moral. O que vale mais, Criador ou criatura?

5º. Lugar: 12hs da Sexta-Feira Santa
Prá pecar você teve muito tempo, mas para confessar-se precisou de tanto tempo para criar coragem e aí ela chega somente na sexta-feira santa ao meio-dia? Dá seu jeito…

4º. Lugar: Atrasos em casamentos
Esse negócio de noiva chegar atrasada não é mais chique. É uma tremenda falta de educação.

3º.  Lugar: Criança muito à vontade
Jesus disse para “deixar que as crianças fossem até Ele”. Hora nenhuma falou que Igreja é um parque de diversões.

2º. Lugar: Padre sem eloqüência
Meu Deus… Padre que não prepara sua homilia ou que nem sabe o que vai falar é dureza… A celebração não acaba… Ele fica perdido e acha que falou pouco e acaba falando uns 40 minutos. Vou parar, senão falo nomes.

1º. Lugar: Celular que toca na Celebração
Isento aqui profissionais que precisam usar esse instrumento (tipo médicos de plantão –  mesmo assim deixando o celular no modo silencioso). Alguns paroquianos devem pedir em casa: “Me ligue tal hora, porque é exatamente na hora da Missa”. Horrível, horripilante, quase do nível Zé do Caixão. Brega ao extremo. Alto do pódio.

Tolerância zero com falta de compromissos.

Triiiimmmmm!!! Olha aí, deve ser mais um padre para agradecer, quem sabe o Bispo querendo nomes?

Até padre vai pro céu

José Luis dos Santos

Toda Semana Santa é a mesma coisa: o Padre Rufino, da Paróquia São Jerônimo, nos convida a “ressuscitar” com Jesus no domingo de Páscoa. Até entendo os motivos dele, ainda mesmo a obrigação de dizer isso, obrigação esta a que muitos padres se prestam, no dia-a-dia, afinal de contas a faculdade de Teologia não ensina ninguém a ser padre e não coloca eloqüência na boca de ninguém. Ser padre não precisa ser ensinado e palavras de sabedoria são conquistadas espiritualmente – tudo precisa partir do coração de cada um que assume essa missão. Isso é o que muitos padres precisam entender e alguns morrem sem saber.

Melhor mesmo é cuidar da minha costura. Pedaços de pano branco postos sobre minha máquina Singer, pedaladas cadenciadas, como se eu pedalasse lendo uma partitura – as conseqüências dessa falsa partitura da dor hoje estão expostas em forma de varizes, como se minhas pernas carregassem um troféu pelo meu esforço cotidiano.

Costura vai, costura vem. Linha colocada na agulha com muita dificuldade, fruto da miopia que avança. Pensamentos desordenados, quebra-cabeça que confunde minha mente. Em tudo coloco esforço, mas o esforço parece não surtir efeito quando me lembro das palavras do Pe. Rufino, que parecia ler o mesmo sermão da Semana Santa do ano passado: “Somente Jesus ressuscitando em nosso meio é muito pouco, embora seja tão significante. É preciso uma ressurreição em massa, todos juntos saindo do sepulcro caiado da falsidade, dos vícios, do pecado, da luxúria. Precisamos ser mais. Como a ressurreição é o marco do Cristianismo não acreditamos em um Senhor fraco e perdedor, mas em um Senhor vitorioso, sobre o qual nem a morte pôde mostrar seu poder!”

Quem diria, o Pe. Rufino falando isso. Ele homem de tantas falsidades. Falam tudo dele, mas eu não falo, não quero correr o risco de cometer esse tipo de pecado. Claro, falar de padre é um pecado para mim, assim minha finada mãe me ensinou. Pensar algo sobre um padre ela não falou que era pecado, então eu fico só pensando e não comento.

Mas, pensando bem, esse Pe. Rufino está me fazendo raiva. É um desaforo falar para o povo ser isso ou aquilo e ele esmo nada. Homem de pouca oração, de muita presença na boca miúda da cidade… Padre quando fica muito falado pela boca miúda, pode saber, tem alguma coisa errada.

Eu nunca tinha visto um padre que não gosta de rezar. Ele é o primeiro que conheço. Por isso que os padres não deviam ter deixado a batina preta, pelo menos alguns deles, em alguma coisa, se diferenciariam dos outros homens. E as bobagens que ele fala no sermão? Pensa que somos bobos. Deixa prá lá, vou à Missa é por causa de Jesus mesmo, senão eu já tinha mudado de religião. Outro dia o vi numa quermesse enchendo o peito de cachaça. Não tem problema padre beber, mas ficar tonto… Depois sobe no altar e manda a gente ressuscitar com Jesus, saindo dos nossos vícios. É brincadeira. Ele que cuide de não ficar caindo pelas quermesses primeiro.

O povo fala, eu não. Eu só penso, para não cometer pecado. Comadre Conceição falou que viu ele outro dia com jeito diferente pro lado da Justina, moça bonita da nossa paróquia. Acho que não, não é possível. Ele foi consagrado para o serviço de Deus. Ou será possível? Quando o povo fala… Pois é, depois fica mandando a gente ressuscitar. Ele é quem deve ressuscitar desses pensamentos!

Acho que já estou pecando porque aquela Missa de Páscoa me deu uma raiva danada. Todo mundo ficou olhando com ares de piedade para o Pe. Rufino, mas eu fiquei só pensando. Pensar não é pecado, então eu penso porque quero mesmo é ir pro céu. Para isso existe algo bem acalentador: outro dia eu fui numa aula de ‘Teologia da Misericórdia’ para leigos e o professor falou que “todo mundo vai pro céu”, basta querer.

Assim eu fico mais tranqüila, isso significa que até padre vai pro céu também. Dessa forma não me condeno, nem o condeno. Chega de pensar nisso tudo senão vou acabar perdendo minha fé que já não é grandes coisas.

É melhor eu continuar minha costura mais atenta, senão ainda vou acabar errando as medidas dessa túnica nova, que vou dar de presente pro Pe. Rufino.

É chique ser brega

José Luis dos Santos

Era 28/09/1978. Vesti minha calça US Top, pus minha camisa nova Pool, usei  desodorante Avanço, calcei meu keds Kichute, enrolando até o último centímetro dos seus cadarços nos meus tornozelos. Prá terminar escovei os dentes com Kolynos. Ahhhh!!!

Para não ir de SP2 fui de Fusca Fafá. Abri o grande portão através da taramela, deixei-o no gancho. Não havia ladrão e muito menos algo para ser roubado. Passei no brechó da Feira da Paz, vi algumas roupas legais, mas não estava tão massa assim.

Achei estribado comprar chicletes Ploc e balas Soft na venda do Zé Mendonça. Queria mesmo um Mentex, mas os cobres eram poucos.

Vi, pelas janelas que davam para a rua, que era hora do Spectraman. Copa do Mundo para a garotada que deixava tudo para assistir o herói de lata. Começava depois da novela “Meu pé de laranja lima” em aparelhos sem cores. TV em cores era o futuro. Uma sobre tela servia de enganação. Tipo um óculos de acrílico que era posto sobre a tela da TV. Ele era composto por várias cores, assim a TV parecia futurista. Jeitinho brasileiro.

Nada de novo nas fofocas na Pastelaria Glória, nem no bar Pilão ou no Chega Mais, muito menos no restaurante Capri. No Cine Glória os mesmos filmes inglórios. Firme mesmo estava o Sr. Milton que era o homem que colocava a máquina prá funcionar, fazendo a alegria dos marmanjos… Criança não podia nem ver os cartazes… Sacrilégio! Pe. Cornélio horrorizava.

Por falar nele, topei-o, em sua batina preta, bravo com não sei o quê! Será que vira um dos cartazes do cinema? Bom, ele sempre estava bravo. Normal. Fui à centenária Matriz e lá, num inverso total, estava o Pe. Clemente atendendo confissões com uma tranqüilidade sem igual. Os opostos se atraem.

De frente ao Colégio Santa Terezinha estava a Irmã Heloísa conversando com a xará e quase Santa, Irmã Terezinha. Santa na terra. Sorriso infantil de quem nos conduz ao infinito, como Tereza, “criança travessa, que soube furtar os tesouros do céu”.

Passei ainda no bar do Caixa e comprei um Crush, um Guarapan e um Alterosa. Quase me esqueci do K-Suco e das bolachas Maria. Combinação perfeita para estômagos que se saciavam com a simplicidade. Foi nesse bar que eu vi, na Telefunkem preto e branco, a notícia de que havia morrido Albino Luciani. “Já?”, questionei. Logo conheceríamos o inesquecível Karol Józef Wojtyła, polonês de Wadowice.

Já em casa, liguei o rádio na AM 820 e ouvi a benção do Pe. Vitor Coelho, com sua voz aveludada e abençoada, levando o amor aos lares brasileiros. Merece os altares, já elevado pelos corações católicos.

Fui prá rua, pus a cadeira na calçada, conversei com os vizinhos. Quando vi já eram 19h. Quase hora de dormir. Boa noite prá todos. Hora de rezar o terço em família e descansar. Novela? Jamais. Desvirtua.

Dia de Deus. Noite abençoada. Tempo feliz.

O que foi isso? Não entendeu nada? Ué, você não é da era da internet? Quem sabe o Google te ajude a entender.

Comece a pesquisa por: “época em que a palavra de um pai valia ouro na balança do ourives e ser brega era ser muito chique aos olhos Divinos”.

Placar justo, um a um. Tipo assim, eu tb naum intendu nd qdo vc dgta msg irada na net. Mó dôid… Sacô o skema? Aquês!!! RRssss…

Ado, Ado, cada um no seu quadrado!

José Luis dos Santos

“Mês de julho é um problema eclesial, alguns responsáveis por funções litúrgicas saem de férias com a família e aí começa a ação da Pastoral do Laço”.

Eu determino, à partir da publicação desse artigo, que os meses de janeiro/julho/dezembro não sejam mais os meses da Pastoral do Laço!

Estamos em julho e julho é um problema eclesial, alguns responsáveis por funções litúrgicas saem de férias com a família e aí começa a insistente ação da Pastoral do Laço.

Como eu já escrevi sobre a Pastoral do Laço! Quanto mais escrevo, mais ela age. Vou refrescar sua memória: é a pastoral que engloba aqueles que deixam alguma preparação para última hora ou que são surpreendidos por alguém que se comprometeu (?) estar na celebração, mas de repente, cadê o sujeito?

O agente da pastoral do laço, não perde tempo, corre logo e fica olhando por sobre a assembléia com o pescoço bem esticado. Olha de cá, olha de lá (procurando a vítima – ela pode ser você!), avalia cuidadosamente e, pronto, lança o laço e traz alguém do meio da assembléia, de última hora, sem saber o que se passa na cabeça daquele laçado – que, em questão de segundos, tornou-se leitor litúrgico, se ele está bem para fazer uma leitura, se trouxe os óculos, sem saber o que ele andou fazendo durante aquela semana na vida pessoal e profissional, sem ter ouvido o que ele falou aos seus colegas sobre o magistério da Igreja, depois do jogo de futebol e, ainda, sem perguntar se ele quer ler. Digamos que seja um convite em forma de convocação.

Entendo que os agentes não têm culpa se alguém não estava lá como combinado, mas os agentes precisam entender que, se isso aconteceu, é porque a pessoa não foi bem escolhida (será que o convidado não foi convocado? Será que é hora do convidado engajar-se?). O convite é realmente uma forma de evangelizar e trazer de volta muitos irmãos, mas evangelização goela abaixo nunca funcionou. Com raríssimas exceções eu consigo entender o laço de última hora, desde que tenha havido algum imprevisto “real e convincente” (estar de ressaca não vale!). A Igreja me avaliza na meditação:

“O fiel leigo chamado a prestar ajuda nas celebrações litúrgicas deve estar devidamente preparado e se distinguir pela vida cristã, fé, conduta e fidelidade ao magistério da Igreja. É bom que tenha recebido uma sólida formação litúrgica, segundo sua idade, condição, tipo de vida e cultura religiosa. Não se escolha ninguém cuja designação possa causar espanto entre os fiéis” (Redemptionis Sacramentum, n. 46 e Sacrosanctum Concilium, n.19 / Grifos do autor)

Ainda, “… os leigos ajam de tal maneira que a Liturgia da Igreja se exerça com dignidade e decoro”. (Discurso de Joao Paulo II na Conferência dos Bispos das Antilhas, n. 2, 7/5/2002 e Christifideles Laici, n. 23, 30/12/1988).

Acho que eu a Igreja não vamos precisar mais falar sobre isso para nossa Paróquia, embora eu saiba que uns poucos farão questão de não entender nada do que foi dito.

Cada um na sua. Uns orientam, muitos refletem e os comprometidos colocam em prática. A história nos mostra isso.

O caso Bruno: uma visão cristã da bola na trave

José Luis dos Santos

Que sou flamenguista desde criança, todo mundo sabe. Que procuro ser um cristão autêntico também não é novidade. “Se” tenho conseguido? Bom esse é um tema complexo demais, melhor continuar na busca.

Ser cristão não é difícil e ser flamenguista sempre foi um prazer. Ultimamente, o que está mesmo difícil, é acreditar que um cristão aceite os inúmeros “se” do caso do grande goleiro Bruno. Decepção é a palavra que me envolve, muito embora ele já tenha se envolvido em várias outras confusões, porém é humanamente impossível acreditar numa tamanha crueldade em que ele, possivelmente, esteja envolvido.

“Se” tudo isso for verdade, fica o tema para um retiro particular de todos: “Até onde vai o peso do dinheiro?” Do dinheiro mesmo. Podem falar que a psicologia explica o comportamento e os estudos psicológicos têm todo o meu respeito, contudo, nunca conseguirão dimensionar até onde vai o peso do dinheiro. A fama aliada à conseqüência do dinheiro faz com que o sujeito se sinta onipotente. Tudo posso. Falta estrutura familiar, falta consideração e falta muito de espiritualidade na vida de muitos.

Até onde vale a pena carregar o fardo que traz as facilidades impostas pelo dinheiro? O ser passa a ter uma mera participação coadjuvante na vida dessas pessoas desestruturadas.

Como flamenguista, resta-me chorar por dentro, já que sou um homem de poucas lágrimas externas. O pior é que, mesmo assim, serão apenas duas lágrimas: uma rubro pela vergonha e outra negra pela atitude macabra.

Salmo 18

2. Disse: Eu vos amo, Senhor, minha força!

Amar a Deus consiste em colocar nosso ser à disposição, fazendo-nos escravos em busca da certeza da satisfação do seu senhor. O amor que temos visto hoje, o amor apresentado pela sociedade moderna não é um amor verdadeiro, é um paliativo na falta de um amor real. E o que nossa humanidade entende de amor real para nos mostrar algo?

As guerras, a violência, a fome falam por si só o que é desamor. Amar é ser e não fingir. É algo eterno e não momentâneo. A partir do momento que dizemos ao Senhor “te amo”, precisamos, antes, purificar nossos lábios e dar um pause nos nossos pensamentos em busca da eternidade desse momento.

Para isso precisamos exercitar nossa mais profunda sinceridade, tantas vezes escondida nos recôncavos da nossa pobre alma humana. Dizer a Deus que o amamos faz-nos filhos e faz Dele um Pai muito orgulhoso. Pais gostam muito de ouvir essa frase “eu te amo”. Quanto tempo faz que você não fala a Deus que o ama? Você já falou isso algum dia?

Se você se esqueceu, até hoje, e , mesmo que você não tenha ouvido, Ele te fala desse amor sincero a todo o momento. O amor que Ele sente por você não é um amor comum: é uma força real e impetuosa, devasta tudo o que encontra pela frente, dentro do nosso ser. Sabe o pior? Muitas vezes nem percebemos essa intensidade toda. Nosso dia-a-dia nos faz mais humanos do que deveríamos ser… Perdemos a noção dos valores espirituais. Deixamo-nos derivar nas necessidades temporais em detrimento das necessidades que importam: as espirituais.

Se Deus é nossa força real não poderíamos deixar de falar/estar com Ele nenhum segundo do dia. Deus-Força nos faz totalmente capazes contra as forças do mal que insistem em nos conquistar.

Amar a Deus é reconhecê-Lo o Ser mais importante da nossa vida e fortificar-se na fonte de água viva que se oferece gratuitamente a nós. O pior é que, tantas vezes, preferimos passar sede e fome.

 

O tempo urge

José Luis dos Santos

Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar”, escreveu o poeta e escritor José Saramago, falecido há alguns dias. Não foi somente essa frase que o deixou famoso mundo afora. Ele, embora muito polêmico (goste dele a Igreja Católica ou não), escreveu outras preciosidades. Que tal essa? “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Entendeu? Não se preocupe. Muita gente não digeriu Saramago. Quando lemos algo, devemos digerir o texto, como fazemos com os alimentos, senão não conseguiremos ser fortes culturalmente para enfrentar o mundo hodierno.

Como não ter pressa se o relógio de hoje em dia parece andar mais rápido que antigamente? A tecnologia nos impõe limites e nos conduz à falta deles, ao mesmo tempo. Paradoxo mortal que nos leva a uma insanidade diária: o que fiz? O que ainda posso? Será possível?

Ao passo que temos mais conhecimento, mais informação, somos vítimas de um tempo curto, miúdo demais para as coisas de menos. Os valores que outrora eram primordiais hoje são porta-retratos, ostentando a longevidade do acreditar. Simples demais para serem postos na sala de estar da nossa casa interior. Qualquer canto escondido parece ter sido feito sob medida para eles.

Honestidade, ética, força de vontade parecem se nos apresentar como diferenciais. Alguém consegue explicar essas virtudes senão como obrigatórias a um ser humano? Diferencial é aquilo que fazemos além. O que é obrigação não deve nos chamar a atenção – simples demais para alguém que pensa em crescer.

O tempo urge, mas também ruge, como um leão à espera da próxima vítima. O jantar pode ser delicioso, mas também indigesto. Sabor diferente só para quem tem costume com boa gastronomia e tempero de menos para quem é doente do vírus da comodidade.

Não percamos tempo. Julho urge. Dezembro já ruge.

O Coração de Jesus continua a pulsar

José Luis dos Santos

Não há melhor símbolo para demonstrar o tamanho do amor de Deus para conosco do que o coração humano: fonte de toda nossa vida. O coração, fonte da vida humana, foi Divinizado a partir do momento que bombeou o Divino Sangue do Senhor Jesus. Já não é mais um simples coração: é um órgão Santo, é um motor que trabalha no compasso da oração, do jejum, da caridade, “renovando o homem interior dia-a-dia” (II Cor 4,16b).

Dentro do peito amoroso de Jesus, o seu Sagrado Coração, sentiu-se “diferente” quando João Batista “testemunhou que Jesus era o Eleito de Deus”. Pulsou forte no primeiro milagre, nas Bodas de Caná, ao ouvir Maria dizer: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Deixou-se conduzir pelo amor, mesmo nos momentos de tensão, quando o Senhor expulsou vendedores do Templo, aí se lembrou de ter ouvido: “O zelo por tua casa me devorará”.

Encantou-se com a ingenuidade de Nicodemos que queria entender o que é “voltar a nascer” e amou a mulher de Samaria que, não menos ingênua espiritualmente, não entendia que o Eterno em pessoa lhe falava da “fonte da vida”.

Saltitou com o paralítico ao ouvir “toma teu leito e anda”, multiplicou pulsação ao perceber que a fome fora saciada e ainda sobrara “doze cestos cheios de pão”. Escondeu-se (queria ficar bem pequeninho nessa hora, mas não conseguiu) porque ouvira do Senhor que havia um traidor entre seus melhores amigos.

Teve pena da mulher adúltera, mas logo veio o consolo: “Eu também não te condeno”. Nunca imaginou ver algo, mas enxergou nos olhos dos cegos que eram curados “pela Luz do mundo”.

Chorou com o Senhor, ao saber que seu melhor amigo, Lázaro, estava morto e não se conformou… Contudo ressurgiu da tristeza, lá dentro do peito, junto com Lázaro, quando o Senhor disse “vem para fora”. Não compreendia quando o Senhor falava, o “grão precisa morrer para produzir frutos”, só entendia que sentia uma angústia nesses momentos.

Também não entendeu nada ao ouvir os gritos de “Rei, Rei, Jesus é nosso Rei”. Não eram aqueles que diziam que Jesus não prestava?

Sentiu-se imortal na última Ceia quando o Senhor prometeu “estar conosco todos os dias” através da Eucaristia. Encontrou-se com a humildade, ao sentir o peito que o acolhia tão próximo dos pés dos Apóstolos quando o Mestre os beijava e quase saiu para fora do peito ao ouvir a ordem: “Amai-vos uns aos outros”.

Angustiou-se fortemente quando o Senhor rezava no Horto das Oliveiras e, ao chorar com o Mestre, chorou gotas de Sangue que saíram como gotas de suor pela Sagrada pele.

Levou chicotadas, socos, ponta-pés, ouvia gritos, palavrões, desaforos no caminho do Calvário. Mas estava lá, pulsante, sem negar últimos instantes de vida ao Mestre.

Partilhou das dores e, já não agüentando mais trabalhar, como um motor fadigado, foi parando lentamente… lentamente… e gritou junto com o Senhor: “Pai, em Tuas Mãos entrego Meu Espírito”.

Quando tudo parecia terminado, nada mais parecia haver para doar, vem a maior forma de amor de Deus para com a humanidade: O Coração de Jesus é rasgado por uma lança, como um golpe de misericórdia para o Senhor, mas que se tornou um golpe de misericórdia para todos nós = dele saiu Sangue é Água.

Sim, saiu água viva, aquela mesma que o Senhor se referiu tantas vezes: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” e “quem beber dessa água terá a vida eterna”…

A vida não acabou e a morte não venceu o Senhor = a água continua a jorrar na Eucaristia, a cada dia.

E pra quem acha que o Coração do Senhor parou de pulsar e de amar, feche os olhos, ponha a mão sobre o seu peito, no lado esquerdo, e sinta esse mesmo Coração, tão perto, ainda nos dias de hoje, pulsando… pulsando… te amando… te amando…  

 

Férias do Sacerdócio

José Luis dos Santos

Isso mesmo, não errei o tema: férias do Sacerdócio e não do Sacerdote.

Um dia, um Sacerdote muito experiente estava conversando comigo sobre um colega de unção que não tinha a menor capacidade para exercer suas funções eclesiásticas. Como a conversa era entre nós dois, ele me revelou de uma maneira muito indignada, quase pedindo aos céus: “Devia haver uma forma de retirar o Sacramento da Ordem de alguns Padres!” Ele tinha razão.

Tem gente que gostaria de apresentar o Jornal Nacional, mas não tem condições por não ter uma voz tão bela como a do Bonner. Outras gostariam de desfilar nas passarelas da moda, mas não têm a beleza estonteante de Gisele. Pobres mortais gostariam de ter um belo iate, de apenas milhões de dólares, mas não carregam o sobrenome Ermírio de Moraes.

Chega de dar voltas no assunto: tem muita gente querendo fazer carreira como Sacerdote, achando que tem vocação (há quem diga que recebeu uma revelação, vai saber quem e o que revelou…), além de acreditar piamente que todos os seus problemas e deficiências afetivas e psicossociais serão resolvidas, num passe de mágica, sob a imposição das mãos Episcopais. Bispo não é mágico, é Pastor. Graças a Deus ainda existem muitos que querem e são ovelhas que amam o redil.

O que mais me magoa e me leva, infelizmente, a escrever sobre um tema desses é que, uma vez ordenados, ungidos sacramentalmente, essas ovelhas negras, brincam sem o menor pudor, com as marcas do eterno, que só um sacerdote possui. Quer saber o motivo da minha revolta momentânea? Sim, momentânea, porque sei que não é a primeira, nem será a última.

Manchete nos telejornais: “Um padre (que mantinha um programa numa Rede de Televisão Católica) é preso por dirigir embriagado, nu (isso mesmo, pelado!), fez gestos obscenos e, para não ser preso, ofereceu suborno aos policiais”.

A cena mostrava o “sujeito” sentado num banco de uma delegacia, de cuecas, com uma camisa de mangas compridas e preso com algemas a uma grade. Precisa mais?

As mãos ungidas para consagrar, abençoar, amar e aliviar o sofrimento do povo estavam ali, usadas levianamente para mantê-lo preso, fazer gestos obscenos, pagar suborno e tirar a roupa em situação imprópria.

Não tenho a menor intenção de julgar, mas de refletir também o avesso: que bom que temos Sacerdotes que nos alimentam com a palavra, com Pão e não com a vergonha a cada dia.

A esses, quero sim encorajá-los a exercer seu Sacerdócio para o povo, para o Divino e não para o podre clamor humano, que tantas vezes pede férias permanentes ao Sagrado. O povo cristão (não somente os católicos) quer que sejam pescadores de homens, ovelhas que ouvem o Pastor.

Sem sal, sem açúcar, sem vontade, sem mais palavras. Vou ali, jogar minha rede…

Quem não quiser me ajudar na pesca, pelo menos não espante os peixes.

Piratas da Igreja Católica
O paradoxo entre Igreja e pedofilia

José Luis dos Santos

A prática pedófila não é novidade no mundo. Provavelmente tem sua origem no monte Olimpo, onde deuses podiam tudo, inclusive desejar crianças. A palavra pedofilia vem do grego παιδοφιλια (paidophilia) onde παις (pais, “criança”) e φιλια (philia, “amizade”, “afinidade”, “amor”, “afeição”, “atração”, “atração ou afinidade patológica” ou “tendência patológica”, segundo o Dicionário Aurélio).

Com certeza há um sério distúrbio por trás da atitude de um pedófilo. O sujeito esconde-se debaixo da mesa do seu saber, do seu poder ou, infelizmente, atrás da Sagrada Mesa do Sacrifício. Quem é violentado, teoricamente, indefeso, não tem coragem suficiente para denunciar o violador. A presa é silenciosa, guarda segredos e planta feridas que, na maioria das vezes, são regadas por toda uma vida.

O assunto tem sido muito comentado ultimamente porque alguns que se dizem “padres” (com p minúsculo mesmo) têm manchado a imagem da Igreja Católica. Eu, por natureza e formação, faço apologia à Igreja Católica Apostólica Romana, mas não me deixo levar pela emoção quando sinto a dor de outros. A dor de outros tem de ser a nossa dor, ainda mais quando recordamos o pedido de Jesus: “Que todos sejam um, como eu e o Pai somos um” (Jo 17,21)

Sabemos que toda e qualquer infração de um sacerdote possui uma repercussão maior. Interessa à mídia, toca as pessoas, dá ibope. Resultado: gera lucro financeiro e prejuízo moral. Se a infração for de origem sexual aí é que o barulho desenvolve um grande eco nos corredores das grandes corporações, no mundo da comunicação.

Concordo que é um absurdo, pessoas de tão alto grau, relevância social e espiritual cometerem esse tipo de crime. Devem ser punidas como qualquer outro cidadão. Nesse caso, o fato de ser sacerdote, fortalece a redoma de vidro em torno do ungido. Sem falar no que tange à caridade, a pena não pode ser das vítimas: quem bate nunca se lembra…

O Padre é um homem normal, como qualquer outro ser humano, cheio de acertos e erros. Ele tem que ser totalmente  humano e normal para receber o Sacramento da Ordem. Se não exerce suas faculdades normais, ele não pode recebê-lo, conforme o Cân. 1044 / § 2º do CDC.

O Padre também é um cidadão e nem o Código do Direito Canônico “passa a mão na sua cabeça” ou o defende em casos de erro pessoal. Alguns cânones do CDC são bem claros, com relação às atitudes de um ser ungido, que vive o estado clerical. Limito-me a estes:

Cân. 285 § 1. Os clérigos se abstenham completamente de tudo o que não convém ao seu estado, de acordo com as prescrições do direito particular.

§ 2. Os clérigos evitem tudo o que, embora não inconveniente, é, no entanto, impróprio ao estado clerical.

Cân. 1387 O sacerdote que, no ato da confissão, por ocasião de confissão ou com pretexto de confissão, solicita o penitente para um pecado contra o sexto mandamento do Decálogo seja punido, conforme a gravidade do delito, com suspensão, proibições, privações e, nos casos mais graves, seja demitido do estado clerical.
Cân. 1399 Além dos casos estabelecidos por esta ou por outras leis, a violação externa de uma lei divina ou canônica só pode ser punida com justa pena, quando a gravidade especial da transgressão exige a punição e urge a necessidade de prevenir ou reparar escândalos.

Fica muito claro, com todos os fatos (leia escândalos) de padres pedófilos já expostos, em todas as partes do mundo, que surge uma urgente revisão da seleção dos candidatos ao sacerdórcio, bem como da sua formação intelectual e moral, dentro das paredes das instituições que conduzem o candidato até quando recebe o Sacramento da Ordem.

Experiente no assunto, tendo passado diversos e bons anos de minha vida na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus e conhecedor do novo processo de formação dos futuros clérigos, tenho visto uma procura incansável pela “produção em série” e não mais uma incansável “série de produções” e promoções culturais, intelectuais, pessoais e humanas, consistente formação afetiva e sexual, excelente produção de eloqüentes e cultos evangelizadores, além de pouco trabalho físico, que tanto me ajudou a me tornar alguém responsável e ocupado constantemente.

A Igreja Católica, há alguns anos, mediante a forte demanda de trabalhos, o crescente número de fiéis e o zelo pela evangelização, parece ter aderido à solicitação do mundo moderno da produção em massa e depressa. A formação “Just in time” parece ter atendido alguns princípios da necessidade, mas mostra-se hoje um poço profundo, onde não conseguimos, nesse momento, saber o que é água límpida e lodo.

É certo que há muita água refrescante nesse poço, da mesma forma e de igual teor, somos sabedores que há muito lodo nos fazendo escorregar até chegarmos ao manancial.

Os defensores do fim do celibato entram em ação vigorosamente, nesse momento. Não adiantaria nada. Tudo depende da índole, um padre pedófilo vai ser um pai pedófilo, além de uma forte tendência a “pular a cerca” de vez em quando, ferindo, novamente, outras pessoas.

Nenhum escândalo é motivo para assumirmos uma posição covarde de abandono à causa Católica. Não trabalhamos senão por Jesus Cristo, pela sua causa, pelo anúncio do Seu Reino. As pedras que encontramos devem ser retiradas imediatamente do nosso caminho, deixadas à beira da estrada, partilhando a sorte daqueles que incomodam nossa caminhada. Não fazem o que deveriam e ainda não nos deixam em paz.

Católicos sim, omissos jamais. Nossa Igreja precisa de soldados e não de saqueadores. Que seja tirado do nosso oceano o barco dos piratas que não têm intenção de pescar peixes, cedendo espaço para pescadores de homens, que mantêm o compromisso de avançar sempre para águas mais profundas!

Perdoar não dói!

José Luis dos Santos

Há coisas que doem infinitamente mais do que o ato de dar o perdão. Perdoar é diferente de dar o perdão.

Reconciliar é muito mais que estender a mão, e muito mais que ser bom. Está no limiar da santidade, passando pela simplicidade da vida humana, com todas agruras que nós mesmos nos impomos. Coração livre para continuar a caminhada: objetivo maior de quem manifesta o desejo de reconciliação.

Na mesma linha, mas com um significado diferente, está o ato de perdoar. O ato de perdoar parte de um desejo quase  inerente ao cristianismo. Não há compatibilidade entre cristianismo e falta de perdão, então perdoar é uma comunhão do cristão com sua visão libertadora, adquirida na constituição e implantação do Reino de Deus, instaurado por Cristo.

Por essa mesma estrada asfaltada andamos com nossos veículos, na pista dupla seguem o ato de perdoar e o ato de dar o perdão. Os dois são muito importantes, mas, para que o coração fique livre de verdade, temos que exercer o DAR o perdão.

Quando damos algo, nós temos a consciência de que não queremos nada em troca, queremos apenas presentear, ajudar, colaborar, enriquecer ou, até mesmo, satisfazer com esse gesto. Satisfação para nós e para o outro, afinal, nos sentimos bem quando vemos o outro feliz e, diante de insistentes pedidos de Jesus, temos a obrigação de enxergar algo bem melhor no outro do que em nós mesmos.

Ao perdoar simplesmente, para ficarmos “livres da situação” ou, até mesmo, para ficarmos “livres do outro”, estamos sendo meramente cumpridores de preceitos. O próprio Jesus rasgou todos os preceitos para agregar valor ao Antigo Testamente e não suplantá-lo: fez mais, fez a diferença. Ser cristão não é cumprir preceitos, é dar mais de nós mesmos.

Não dói perdoar, disso estou certo. Não dói disponibilizar e ter consciência de que estamos no caminho do plural, da diferença.

Não perdoe, DÊ o perdão. Parece a mesma coisa, mas não é. Ninguém empresta perdão.

Coração livre é sinônimo de doação. Já viu alguma foto de Madre Tereza de Calcutá carrancuda? Impossível. Ela (em vida) deveria assinar esse artigo e não eu.

Mula-sem-cabeça ou muda sua cabeça?

José Luis dos Santos

Não agüento mais essas estórias de quaresma: gente quaresmeira que só aparece nas celebrações nesses 40 dias do ano, passando pelos relatos fantasiosas de estórias sobre mula-sem-cabeça, que anda por aí nessa época quaresmal (sendo um animal irracional, não sei como ela anda sem enxergar…), culminando com todo mundo querendo pregar Jesus na sexta-feira da Paixão e desaparecendo no domingo de Páscoa. Todo ano é a mesma coisa”, reclamou Pe. Gilberto, mais vermelho que estola em liturgia de mártir.

Ele tem razão. É, realmente, a mesma coisa, ano após ano. Mas todos têm culpa.

“De novo com esse papo de que devo mudar? A quaresma sempre foi assim. Semana Santa sempre foi assim: gente que não colabora e vem confessar-se ao meio-dia da sexta da Paixão. Remédio de última hora. A sorte é que cura”, conformou-se.

A atitude provocou a criatividade dos paroquianos dele. “Já que o Pe. Gilberto e os quaresmeiros não querem mudar mesmo, vamos dar um jeito de fazer uma quaresma e Semana Santa diferente?” “Claro, podemos fazer encontros semanais durante a quaresma, para jovens, para casais, para crianças…” “Eu concordo, desde que não sejam como aquelas reuniões em dias de sábado ou domingo às 15h!!! Arrghhhhh! Vamos  organizar esses encontros em dias e horários alternados da semana, assim, teremos uma semana para cada tema. Cada um vem no dia e hora que puder…”

Pe. Gilberto surpreendeu, até gostou! “Vamos ver o que eles vão aprontar.”

A cada missa um convite novo, diferente, em forma de poesia, outro em forma de música,  crianças convidando as crianças, jovens falando a língua dos jovens (jovens mesmo, espírito jovem também envelhece). Ensaios exaustivos, dispensa enfática da “Pastoral do Laço” (aquela que laça na última hora… Xô… Tchau!) e tudo estava perfeito para a evangelização.

Na primeira fila de bancos estava o Pe. Gilberto. “É, tem bastante gente!”

O tema do dia era “Gente que só aparece na quaresma”. Ficou bem claro que a Igreja precisa de nós todos durante todos os dias do ano. Não para pedir alguma coisa, mas para ofertar-nos aquilo que precisamos, para alívio do peso diário das nossas dificuldades humanas. Temos que oferecer o querer e pedir o poder.

As celebrações que perdemos, durante o ano todo, são como jantares na casa dos nossos pais, a mesa fica sempre posta, mas tem uma cadeira esperando nossa ausência. Ninguém nos substitui. O lugar é só nosso.

No final das celebrações podia-se perceber a alegria de ser Igreja daqueles jovens que saíam, daquelas crianças que assistiam a DVD´s de evangelização. A Semana Santa ficou marcada pela presença viva das comunidades, enchendo a praça da matriz e transbordando o coração da Paróquia.

Pe. Gilberto chegou a uma bela conclusão. “Gente de quaresma sempre existirá e incomoda não vê-los se sentindo amados. Quem se sente amado sempre volta para receber mais amor. Mula-sem-cabeça não incomoda, não existe mesmo. O que incomoda de verdade é gente que não muda-sua-cabeça…”

Peguei pesado. Vou confessar-me.

Carro Alegórico

José Luis dos Santos

 

Carnaval: confusão, desordem, trapalhada.
Carnavalesco: grotesco, ridículo.

 

As definições acima não são minhas (se bem que gostaria de tê-las criado), são de um famoso dicionário online.

Se “a primeira impressão é a que realmente fica”, está difícil desvencilhar-me das verdades implícitas nas definições encontradas – nelas eu vejo reflexos do que penso. Em suma, como pode ser boa uma festa cujas definições nos remetem a uma falsa liberdade?

Cada um faz o que quer, disso não tenho dúvida, porém entre ser livre e ser irresponsável há um grande abismo de medidas colossais e, na maioria das vezes, intransponível ao pensamento meramente humano. Em se tratando de liberdade versus opção versus carnaval, concluo que humano e carnaval tem tudo em comum.

Muito prazer, João Viana é meu nome, sou católico atuante e amigo de tantos evangélicos. Sou do tipo “faço o que falo e se falo eu faço”. Detesto incoerências e amo gente de palavra. O fio de bigode entregue para afirmar um compromisso está em desuso, mas o fio da honestidade e da coerência ainda prevalece, mesmo que muitos tenham tentado passar uma borracha nessa história de gente realmente cristã e de confiança.

Depois de bater esses ditos num liquidificador, ficará mais fácil para você entender o que vou te contar.

Tudo aconteceu na semana passada, quando minha filha mais velha veio-me dizer que será “destaque” num carro alegórico de uma escola de samba chamada “Sovaco de Cobra”. A começar pelo nome da tal escola, algo não me cheirava bem. Como ela já tem a maioridade, pedi para ver a roupa que usaria. Ela me mostrou dizendo: “Olha que linda!” e eu perguntei: “Cadê?”, quase não enxergando porque era minúscula, embora muito maior que outras já vistas. “Ora, pai, é carnaval e não uma festa junina”. “Melhor que fosse festa junina, pelo menos a minha cara de Jeca combinaria com a situação”, pensei.

“Minha filha”, iniciei a conversa, “eu não sei o porquê, mas entendo que você tenha liberdade para ir e vir, para fazer ou não, para dizer não e para dizer sim… O que não consigo entender é o sentido da escolha… Não combina com você, não combina conosco, não combina com fé!”. Depois de pensar alguns segundos minha filha disse com muita convicção, embora que olhasse para o chão, demonstrando certa dificuldade em encontrar meus olhos: “O sentido está na minha jovialidade, na minha vontade, nas minhas amigas que lá estarão também. O sentido está em querer desfilar num carro alegórico e isso é tudo”.

“Carro alegórico”, completei, “estar num carro alegórico. O que você ainda não pensou é que você será o carro alegórico. Algo simbólico, emblemático, místico e não uma cristã por alguns minutos. As pessoas cristãs até podem estar no meio da falsa liberdade do carnaval, da falsa alegria ali contida e serem testemunhas do Senhor. O problema é que na maioria dos casos isso não acontece. Seria vitorioso se não fosse trágico. Infelizmente o ser humano é facilmente corrompido, alterado, falsificado, contaminado… Fugir de situações, por vezes, é necessário e cristão.  Somos livres sim, mas cada um deve buscar a liberdade que não condena a si mesmo e ao próximo. Já dizia Sócrates: Conhece-te a ti mesmo!”.

Dando pouca atenção ao que eu dizia, fui interrompido por minha filha, afirmando que as previsões do tempo indicavam uma forte chuva no dia do desfile, foi quando encerrei a conversa (ou monólogo?), desejando: “É isso aí. Talvez as chuvas possam lavar um pouco da insensatez dos carros alegóricos verdadeiros e daqueles que se passarão por tais, por alguns instantes. Se a chuva lavar por fora, já estará de bom tamanho. Por dentro o tempo se encarregará de fazê-lo”.

Não menti. É o que ansiosamente espero, até mesmo porque um desses “carros alegóricos” será minha própria filha.

Dicionário Aurélio

José Luis dos Santos

Pela janela, o vento soprava, atravessando vorazmente a fresta deixada, com o carro a 100 km por hora. Pensamento noutro lugar, embora a paisagem fosse um convite a um relax.

Olhos fixos na estrada, bagagem espalhada no interior do veículo e uma dúvida: como alguém pode conseguir colocar tanta coisa num espaço tão pequeno? Nessas horas a força da razão abraça a emoção e faz os mais descrentes concluírem que milagres realmente acontecem. Até os teólogos sentem-se convencidos…

Toda uma vida, recheada de histórias e estórias é revivida em forma de filme, tendo o pára-brisa como tela. A direção dessa obra de arte humana, quase sempre perfeita, merece, incontestavelmente, um oscar reluzente. As deficiências ficam por conta de um contra-regra que não conseguiu encontrar-se no contexto ou de um continuista que não estava atento a detalhes. Mas tudo ainda é um ensaio, digamos, um teste… Todos permanecem no set de filmagens. O filme continua, a vida segue em frente. Agora a 110 km por hora.

Estar certo de que valeu a pena é a melhor parte de todas as conclusões a que podemos chegar. Ninguém quer viver e ser mais um. Todos querem ser o UM – único. Melhor assim, isso nos faz acreditar, ir além, ser mais. Essa conclusão foi sincera.

Olhando no retrovisor podiam-se ver outros tantos na estrada. Nunca estamos sozinhos. Uns maiores, outros menores. Uns com motores capazes e outros quase sem motores… O importante é estar, é fazer a diferença. Uma estrada sem veículos não pode ser uma estrada, torna-se apenas conseqüência de um interesse vulgar: ver o velocímetro apontar 130 km. Assim foi.

Numa vida inteira que se renova, andar a 110 km é mais seguro. Na vida é a mesma coisa. Definições, Rubem Alves, Torres Queiruga e filosofias à parte, com emoção à flor da pele, agora é hora de ver o trevo da cidade destino se aproximar, olha lá! Desconhecido e sombrio.

O desconhecido é algo assustador. Ninguém pode afirmar que se sente bem pensando nele. No máximo pode insinuar que não o teme. Mas toda situação desconhecida é bem aproveitada se partilhada, comungada por toda uma comunidade: o que é desconhecido para nós também o é para aquele que chega.

Procurar o endereço que nos acomoda (ou nos incomoda?) é uma tarefa razoavelmente fácil. Sentir-se bem depende da estrutura que nos espera e das pessoas que a preparam. Não é tão difícil estar bem quando temos certeza daquilo que somos e queremos. As pessoas precisam compreender que somos aquilo que está à nossa volta. “O homem é fruto do meio onde vive”. Esse meio é feito, também, de palavras que ele ouve e fala, quase um dicionário, tipo o “Aurélio”.

Adentrando o novo lar, sorriso no rosto e as primeiras palavras de um homem eloqüente, à secretária da Casa Paroquial: “Bom dia, sou o Pe. Aurélio”.

Olhando para o lado, um cartaz fazia-se porta-voz de todos: “Seja bem vindo. Não temas. Avance para águas mais profundas”.

“Duc in altum”, sempre!

Conveniências Cristãs

José Luis dos Santos

Na porta estava escrito “empurre”. Empurrei e entrei, mesmo sem ser convidado. Fui recebido com um sorriso autêntico, de uma bem treinada recepcionista.

Perguntei onde ficavam as cristãs Conveniências e ela me disse que eu estava no lugar certo e que Estavam ali as melhores Conveniências Cidade da cristãs, disponíveis 24 horas, todos os dias da semana. “Era o que queria ouvir”, entusiasmei-me.

“Muito bem, preciso de um sacramento da Confissão, o mais básico possivel. Deixe-me ver, Confissão … Confissão … perdão onde acho … onde está … aqui, achei! Vou levar duas bênçãos, já que vou pecar de novo … Que caro! Ô moça, esse preço da Confissão está certo? “Qual preço está na embalagem?”, Fui questionado. “O preço do real arrependimento” É isso mesmo, é caro, mas funciona. Deixa leve o coração ea vida! “, Acalentou-me.

“Bom, vou levar Não tem jeito mesmo,. Agora preciso de um Batismo para meu filho que já está com um ano de idade. Vamos lá … Batismo … aqui está o sacramento da Ordem, me deixe ver quanto custa, engraçado sem preço está. Deixa pra lá … Batismo … achei! Muito bem, tem vários tipos. Vamos ver … Tem social, moral e real. Quero o social, se parece mais comigo, embora tenha um aviso no verso: “Garantia limitada” garantia estendida eo real tem. Isso não faz diferença! “

“Acho que é só isso. Eucaristia eu não preciso, matrimonio ta na promoção, mas ta com prazo de validade vencido. Moça, você viu esse Matrimônio vencido aqui? “, Ajudei. “Não. Engraçado, acho que foi alguma devolução, porque ele só vence se não for bem cuidado “.

Na saída, numa das estantes, via-se uma bela caixa, nela uma pombinha segurando bico sem a palavra “Crisma”. “Isso serve pra alguma coisa?” Todos dizem que levam que se sentem mais capacitados depois de Tomar “, falou preparada uma atendente.

Já no caixa, para pagar, fui retirando o cartão de crédito da minha carteira, quando vi outra conveniência interessante: um vidro pequeno, roxo, com uma descrição “Óleo dos Enfermos”. Não me interessei muito, até mesmo porque o marketing moderno passou longe daquela aparência, nem um pouco atraente. Não quis nem saber prá que serviria. Senti um calafrio.

Paguei, agradeci e entrei no carro.

Como senti outro calafrio, voltei, empurrei a porta e perguntei: “Por acaso você tem bilhetes de entrada para o céu?” “Não, está em falta … Fiquei sabendo que não vão ser mais vendidos … Têm pouca saída “, esclareceu.

“É mesmo? Ué, até achei que vendesse muito “Vende, mas o problema é que o bilhete tem um chip – coisa moderna, atrelado ao consumo de outra conveniência chamada” Compromisso cristão “, que o proprietário do mesmo deve tomar todos os dias o, até Dia do seu uso efetivo. O bilhete até que tinha saída, mas essa outra conveniência ficou sem nenhuma saída em nossa loja por vários anos, chegando a ter sua validade vencida … Todos só queriam o bilhete achando que ele seria aceito por si, duvidando da Existência do chip. Agora nem sei quando vai ter novamente “, alertou-me.

A mesma porta escrita “empurre”, fechou-se. Lamentei, comigo mesmo, minha demora em ter aparecido por ali e tê-la empurrado.

Outro calafrio, dessa vez muito intenso.

Esperar em Deus pode ser demorado, mas é mais seguro

José Luis dos Santos

Nesse corre-corre que vivemos atualmente, esperar é tudo o que não gostamos ou queremos.

Desde a criação do mundo Deus se mostra paciente, criando tudo passo-a-passo, na busca pela perfeição Daquilo que em si já era perfeito, ensinando-nos, assim, que por mais perfeito que Julgamos ser algo, é sempre um tempo Necessário sendo assim mais um para que uma divinização das situações aconteça:, tempo também é sinônimo de Divino.

Ao saber esperar, Deus dispensou tempo até que enviasse Seu Filho ao mundo para nossa salvação e, nesse ínterim, mostrou a todos, em conversas cara-a-face, manifestações, Através das palavras dos profetas e Através de tantos outros sinais tudo o que queria do ser humano: seus caminhos e seu coração, durante todo o tempo de suas vidas. Enquanto o ser humano, achando que perdia tempo, escondia-se da santidade da Luz e embrenhava-se na escuridão do erro.

Ao saborear “os Evangelhos nos deparamos com um Salvador que conhece o tempo que Deus preparou Lhe: Que Tempo para a Vontade Suprema fosse respeitada e acolhida e conhece também o seu tempo (cronológico e humano), fazendo dele algo muito precioso, aproveitando cada Segundo em oração, curas, pregações e Aconselhamentos.

Por falar em aconselhamento, para nós que vivemos num mundo secularizado e totalmente “sem tempo”, no Evangelho de São Lucas, o Senhor Jesus nos conta o segredo para conduzirmos nossa vida temporal – enquanto há tempo. Quando um homem muito rico se aproxima e pergunta dele: “O que devo fazer para Herdar a vida eterna?”, Jesus lhe responde que ele Deverá seguir todos os mandamentos e, como o homem o que lhe respondesse isso ele já fazia há tempos, Sr. O segredo completa com: “Uma só coisa te falta. Vai vende tudo o que tens e dá aos pobres, depois vem e segue-Me “(Lc 18,18-23).

Por que digo que esse é o segredo? Porque o senhor percebeu que esse homem gastou grande parte do seu tempo ajuntando coisas terrenas e que, embora dissesse que cumpria todos os mandamentos desde jovem, ainda lhe faltava muito de Divino, muita bagagem espiritual para uma qual ele Deveria ter dispensado mais tempo.

O que não é Jesus pediu que ele ficasse sem nada, ele pediu que homem sim esse entendesse que tudo o que foi ajuntado ao longo de sua vida não significava nada diante dos parâmetros de Deus. Esse homem Com o tempo perdeu o que necessário era não e não soube entender, como nós ainda hoje, o tempo de Deus – se tivesse encontrado mais tempo para Deus, Deus o recompensaria também materialmente e espiritualmente. Não soube esperar, dimensionar e subdividir o seu tempo, entregando-se totalmente a Deus.

Dessa forma podemos concluir que nosso tempo não tem relação direta com o tempo cronológico de Deus e, ao mesmo tempo, o tempo de Deus precisa ser incorporado às nossas vivências.

Enfim, se você achar que Deus está demorando muito para atender algum pedido seu, ou até mesmo que Ele se esqueceu do que você precisa, lembre-se, a partir de hoje, que a perfeição está sem tempo de Deus e não dos sem tempo nossos desejos.

É preciso entender que “em tudo quanto Lhe pedirmos, se for conforme à sua vontade, Ele nos atenderá” (I Jo 5,14).

Conforta-nos saber que “Deus fará justiça a nós, seus Eleitos, que clamamos a Ele dia e noite, mesmo que nos faça esperar. Ele nos fará justiça muito em breve “(Lc 18,7-8).

Esperar em Deus pode ser demorado, mas é mais seguro. Com certeza.

Maria de todas as religiões

José Luis dos Santos

Na porta da Igreja Matriz, antes de participar de um momento Mariano, não pude deixar de ouvir uma conversa com teor Ecumênico. Um dos nossos paroquianos e religião conversavam sobre um evangélico e sobre Jesus Cristo. Isso mesmo: vamos dividir esse assunto sempre colocando religião de um lado e de outro Jesus Cristo.

Já que estamos no assunto, prossigamos. Religião uma uma manifestação da nossa fé, seguindo Determinada doutrina que Conduz nossos passos dentro Daquilo que acreditamos. Jesus Cristo é o autor da nossa fé, sendo Ele quem nos mostrou que uma vida tem um sentido muito além de uma simples existência: uma vida tem sabor de essências.

Doutrinas à parte, nossos dois colegas cristãos continuavam a conversa animadamente. Como era dia 12 de outubro, o assunto tendeu para o lado Mariano.

“Pois é, hoje é dia de vocês soltarem foguetes Para Ser Um louvar humano como nós mesmos o somos … Sinceramente, um cara esclarecido como você não poderia jamais fazer uma coisa dessas … O Senhor Jesus é quem merece todo louvor e todo foguete! “, Apimentou o querido evangélico.

Com um tom muito calmo na voz, nosso paroquiano acatou as palavras, Filtrando-a, pensativo. “De fato, meu caro, concordo que muitos católicos não exageram Culto Mariano. Isso você conhece bem e eu também como católico que sou. Contudo, nós nunca podemos olhar uma miúda parte de todo um gigantesco. O que os católicos, na sua grande Maioria, intencionam fazer é apenas lembrar que Maria é a mãe. “

Já interrompido, ouviu do seu interlocutor que “não é preciso culto de louvor para lembrar que alguém é importante …”. “Novamente concordo. Mas agora peço uma abertura de coração e não de ouvidos, ouça a verdade e não uma suposição da Verdade “, pediu o paroquiano.

Assim os dois, sentados na escadaria, continuaram a conversa e foi esclarecido que realmente existem os excessos dos católicos por parte e também por parte das outras religiões que não conhecem bem a verdade Nossa Mariana. Dessa forma, um rico exemplo foi dado.

“O culto Mariano é como se fosse um olhar para uma fotografia de um ente muito querido que já tenha partido. Olhamos para uma fotografia, lembramo-nos dos feitos e qualidades daquele ente para segui-las e Percebemos quão bem nos fez meio SUA PRESENÇA NO NOSSO. Essa pessoa é hoje, apenas uma seta que aponta para o céu. Nada além de uma seta que aponta para o céu – ‘Fazei tudo o que Ele vos disser‘. Deixar esse culto consciente Mariano e quebrar imagens de pessoas santas até poderia ser feito desde que também, rasgássemos todas as fotografias de entes queridos que já se foram, cientes de que nunca mais teremos oportunidade de fotografa-los “.

Um breve silêncio se fez … Ouviu-se somente a voz do ecumenismo, interrompida por Centenas de foguetes estourando nos ares.

Esse não foi apenas mais um dia, mas um dia marcante, de uma história inesquecível, ocorrida na Casa da Porta do Filho – que nunca deixa de ser uma Casa da Mãe.

Era meio-dia, de uma vida inteira …

Cursilhistas de apenas três dias …

José Luis dos Santos

Conheço inúmeros cursilhistas. Alguns de três dias e outros de uma vida inteira.

Os cursilhistas de três dias São Aqueles que passaram pelo cursilho, acharam uma experiência maravilhosa, choraram rios de lágrimas, Na maioria das vezes diferente prometeram tomar um rumo na vida, abraçaram seus familiares na Missa de encerramento com um abraço que nunca haviam dado antes, pediram perdão pela humanidade exacerbada de todos nós, sentiram uma presença de Deus e, de repente, onde estão? No mesmo lugar de antes, justamente onde foram encontrados quando receberam o “presente / convite”: Quer participar do cursilho?

Já pensou se Jesus, ao encontrar uma Samaritana não Poço de Jacó, somente tivesse olhado nos olhos dela, sem nada a dizer? Ela entenderia nada, pegaria sua talha de água e teria ido de volta pra casa, como fazia todos os dias.

Mas tudo foi muito diferente, Jesus olhou nos olhos da Samaritana e AMOU-A, como também olhou nos olhos dos cursilhistas de três dias e AMOU-OS.

A Bíblia nos narra que um Samaritana foi encontrada nenhuma Poço somente uma vez e dela nunca mais se ouviu falar. Pudera, não DEVE mesmo ter voltado lá. Deve ter Sido uma daquelas mulheres que a mesma Bíblia fala que seguiam Jesus prá todo canto. Ela se encantou com sua voz e com seu olhar, além disso, encantou-se com Seu Amor.

Os cursilhistas de uma vida inteira deixam-se amar e São Samaritanas que nunca mais voltam ao poço onde foram encontrados. Dá vontade de voltar? Claro que dá. Dá vontade de encher uma talha COM O Avesso dos acertos? Obviamente sim. Ninguém deixa de ser humano sendo cursilhista.

Agora, sinceramente, eu não me sentiría bem nos olhos olhando do erro ao me lembrar como fui olhado por Jesus. Lembra do brilho, intensidade da?

Lembrar é bom, mas sentir novamente a intensidade do olhar do Senhor nos faz mais e nós, consequentemente, mais divinos.

Três dias é muito pouco prá quem tem uma vida inteira pela frente.

Armadilhas Bíblicas

José Luis dos Santos

Lucas é um cristão remanescente da versão boa intenção “.

Dia desses saiu cedo para caminhar, viu uma moça bonita, de nome Estela, aliás, ex-colega de primário, fazendo o mesmo. Pararam, conversaram e Lucas sentiu que houve recíproca na troca de olhares.

Quando chegou em casa, não teve dúvida, pegou a Bíblia para ver se a tal moça estava nos “planos de Deus para sua vida”. Abriu-a e apressadamente deparou-se com aquilo que ele definiu como confirmação: “Eu sou do meu amado e meu amado é meu” (Ct 6,3). “É isso, um é um Estela minha amada. Obrigado Senhor “. Aqui Um encontro casual, outro ali forjado eo namorou floresceu.

“Preciso de um trabalho legal. Ando vivendo de ‘bicos’ … Vou ver o que Deus diz-me “. Novamente abriu a Bíblia e ler Pôde: “Concedeste o desejo do seu coração, não negaste o pedido dos seus lábios” (Sl 21,3). Distribuiu currículos e, incrível, dois dias depois estava empregado numa grande empresa.

As certezas quanto à vontade Divina só aumentavam, mas rezar que nada é bom. Lucas continuava o intencionado “bem” de sempre. Boa intenção precisa estar ligada uma boa oração Para produzir efeitos e, nesse quesito, nota zero para o omisso Lucas.

O tempo passou, o namoro mal fluía – Briga Pura, rendia o emprego, mas as dívidas aumentavam. Outra vez uma Bíblia Consultora voltou a ser, depois de profissional e sentimental, agora na linha de crédito pessoal.

Páginas Abertas amareladas e lá estava uma frase preocupante: “Melhorai vossos caminhos e vossas obras” (Jr 18,11 b). “Meu Deus, o que tenho feito de errado? Se ele pensa isso de mim, não vai me ajudar a pagar minhas dívidas nem a me reconciliar com Estela. Deve haver algum engano por parte do Senhor … Vou abrir de novo “.

“Morar Melhor é no canto de um teto, do que conviver com mulher briguenta” (Pr 21,9). “Bem, nesse ponto acho que tem razão Deus. Talvez seja melhor mesmo tempo não dá um namoro com uma Estela … Gostei desse versículo! Muito bom! “

Pela Última Vez tentou resolver os problemas financeiros num toque de mágica e prometeu que aquilo que lesse, levaria ao pé da letra. “Então, Senhor, o que eu devo fazer para resolver minha vida financeira?” Resposta: “Pendure ao pescoço uma pesada pedra e atire-se nas Águas Profundas” (Mt 18,6 b).

Desespero total!

“Há uma falta de sintonia ou sei lá o que … Vou fazer assim, pegarei uma Régua, fecharei os olhos ea colocarei sobre uma página da Bíblia, uma frase que ficar entre os números 10 e 20, será essa realmente a vontade de Deus. Assim foi feito. Resultado: “O morrer é lucro” (Fl 1,21).

Nesse ponto o suor escorria pelo rosto vermelho do inconformado Lucas. “Vou tentar pela última vez, mesmo última, palavra de homem …” Assim: “Aquele que perder a vida sua, um, vai encontrar” (Mt 16,25 b). Fim da linha.

“Pensando bem, essas coisas não são bem assim … Afinal de contas Deus não pode ser mau, Ele não pode querer minha morte. Eu ouvi outro dia que Deus é amor, então é melhor eu pensar num Deus que quer a vida e não a morte dos seus filhos. Não vou mais nesses sorteios acreditar ‘bíblicos. Tô fora … “

Decisão acertada de Lucas. Fazer da Bíblia uma forma de adivinhação é o mesmo que Criar armadilhas para cairmos, duvidando de nós mesmos, da nossa Capacidade e por conseqüência, de Deus que vive em nós.

Assustado (a)? A próxima vítima pode ser você!

4 comentários em “Artigos

  1. passando ak deixar um agradecimento de coração por vcs cristo mudou minha vida obrigados a tds vcs !! q deus abencoe a tds neo cursilhistas vlw abraxx

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